Cloviomar Cararine Pereira*
Um projeto popular construído pela Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia (POCAE)
O objetivo deste breve artigo é apresentar o que seriam, para a Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia (POCAE)¹, as principais propostas construídas para o setor de energia nacional, fruto de anos de debates e atividades de formação realizadas em quase todos os estados do Brasil.
Antes de mais nada, cabe apresentar o que é a POCAE. Na construção de um campo político de alianças que pense estrategicamente a questão da energia elétrica e a questão do petróleo no Brasil, articulado com os temas da educação, saúde e direitos, surge a POCAE. Trata-se de uma articulação formada pelas organizações que representam trabalhadores e trabalhadoras das áreas de energia e petróleo, envolvendo categorias como petroleiros, eletricitários, engenheiros, operários das obras, atingidos por barragens, camponeses envolvidos de alguma forma com o tema da energia, trabalhadores e trabalhadoras da educação e organizações de juventude/estudantes.
A POCAE parte do princípio que, para pensar em um projeto energético popular e soberano de país, torna-se imprescindível entender a importância estratégica da energia. Neste sentido, as áreas de energia elétrica e petróleo são os locais de enorme geração de riqueza, sendo o Brasil um território com extraordinárias reservas. Além disso, sua importância estratégica, no atual modo de produção, está relacionada à produção de valor nos processos produtivos.
A política energética popular deve ser orientada centralmente a partir de alguns princípios: a) retomar o controle estatal sobre a energia, com transformações profundas nas estruturas e instâncias institucionais no Estado Brasileiro, ampliando a democracia, a participação e o controle popular nas decisões da política energética nacional; b) garantir o controle pleno e destino social dos resultados da produção, ou excedente produzido, para buscar alto grau de desenvolvimento humano, articulado com a melhor política de valorização e garantia dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras e das populações atingidas; c) superar o modelo de mercado no setor e permitir a construção da melhor organização da indústria de energia; d) adotar a economia da energia como contraponto à lógica do consumo exacerbado; e) fortalecer a prática do internacionalismo e solidariedade entre os povos; f) construir um elevado grau de conhecimento, organização, consciência política e mobilização para garantir ampla e plena participação e controle popular na política energética nacional.
A partir destes princípios, a POCAE propõe:
1. Ampliar a participação dos trabalhadores e trabalhadoras na política energética nacional, em especial no planejamento e na organização da produção e distribuição da energia (da riqueza produzida) e nas instituições políticas de Estado;
2. Realizar mudanças nas atuais instituições políticas de Estado e leis (a começar pelas agências reguladoras) que organizam, regulam e reproduzem as cadeias industriais energéticas superando o modelo de mercado com o objetivo de garantir e atender os interesses dos trabalhadores e trabalhadoras, com mecanismos de participação e decisão popular;
3. Fortalecer as empresas estatais com caráter público, reavendo o privatizado e cobrando indenização por receptação de patrimônio público. Será preciso revogar todas as medidas que privatizaram empresas estatais, entregaram reservas estratégicas ou transferiram riqueza e patrimônio público aos grupos empresariais estrangeiros estatais e privados no setor elétrico e de petróleo;
4. Garantir o uso dos recursos da energia (royalties e fundo social) para uma educação gratuita, universal e de qualidade. Toda a riqueza produzida com o petróleo e nas usinas hidrelétricas ser destinada para investimento em educação e saúde pública, direitos e geração de postos de trabalho para o povo brasileiro;
5. Melhorar as condições de trabalho e valorização dos trabalhadores e trabalhadoras do setor energético e da construção das obras, oferecendo melhores condições de trabalho e ganho da categoria, com ampliação dos direitos e conquistas;
6. Respeitar e garantir os direitos das populações atingidas por empreendimentos energéticos, com a instituição da Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB), garantindo sua aplicação integral;
7. Retomar a política de conteúdo local como parte integrante de uma política nacional de industrialização, com adequada fiscalização e aplicação integral, para que a indústria de petróleo se fortaleça como vetor de desenvolvimento regional e que as medidas sejam estendidas ao setor elétrico nacional;
8. Garantir que o BNDES retome o financiamento das empresas públicas de forma irrestrita, adotando critérios rígidos de contrapartida para garantir os direitos e o melhor tratamento relacionado aos impactos sociais, ambientais e trabalhistas em todos os projetos financiados;
9. Respeitar o meio ambiente e minimizar os impactos sociais e ambientais, realizando ações prévias aos investimentos, para evitar, prevenir e minimizar ao máximo os impactos sociais e ambientais dos empreendimentos;
10. O acesso à água deve ser reconhecido e tratado como um direito e não mercadoria;
11. Propor medidas de caráter popular para o gás de cozinha e tarifas de energia elétrica, que atinjam porções significativas da sociedade, principalmente através de políticas de controle e redução de tarifas;
12. Desenvolver a integração energética solidária com respeito à autodeterminação dos povos, principalmente na América Latina, em especial dos processos produtivos, organizativos e das lutas populares na busca do mais alto grau de desenvolvimento humano;
13. Fortalecer a soberania alimentar e a produção de alimentos saudáveis pelo campesinato. Desenvolver e fortalecer a soberania e a indústria estatal de produção de fertilizantes, com prioridade para a soberania alimentar e a produção de insumos demandados pelo campesinato na produção de alimentos saudáveis.
1 Entidades que fazem parte da POCAE: FUP – Federação Única dos Petroleiros; CNU ‐ Confederação Nacional dos Urbanitários – FNU – Federação Nacional dos Urbanitários; FRUNE ‐ Federação Regional dos Urbanitários do Nordeste; FTUN – Federação dos Trabalhadores Interestadual Urbanitários do Norte; FSU ‐ Federação Regional dos Urbanitários do Sul; Federação Regional dos Urbanitários Centro‐Oeste; Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado de São Paulo (FTIUESP), Intercel, Intersul, Sindieletro-MG, STIU-DF, Sinergia CUT, SINDUR-RO, FISENGE – Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros;, Senge PR; Senge RJ; Movimento Camponês Popular (MCP); Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Levante Popular da Juventude (LPJ) e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
*Cloviomar Cararine possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com mestrado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade. Atualmente é técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), assessorando a Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Foto: Stéphanie Marchuk/Fisenge