Jorge Folena*
Pelos constantes atos de instabilidade política, provocados desde o dia 1º de janeiro de 2019 até hoje, o governo Bolsonaro não se sustentará. Nem o apoio equivocado dado pelo setor militar será suficiente para mantê-lo no poder. Pois, sem o equilíbrio de forças políticas e sociais, nada se sustenta!
Tanto é que muitos dos que o apoiavam já entraram em rota de colisão, como parte expressiva dos meios de comunicação social, empresários e artistas, que se omitiram mas consentiram. Em breve, até os banqueiros, que ganharam muito dinheiro com as medidas ultraliberais de Paulo Guedes (o ex-posto Ipiranga) irão abandonar o barco, pois está além de qualquer defesa quem agride diariamente os princípios básicos da ordem liberal burguesa, brinca com a vida e zomba da morte de milhares pela covid-19.
O abandono do navio não se dará pelo total descontrole da crise sanitária da covid-19 e suas graves consequências, mas porque, em mais de um ano e quatro meses de governo, nenhuma medida de proteção e defesa da sociedade brasileira foi efetivada; nada mais que a vergonha tem sido imposta ao país, por um presidente fascista, que agride a tudo e a todos, ao mesmo tempo.
Contudo, é importante registrar que não será tarefa fácil derrotar o bolsonarismo, em razão das articulações sociais bizarras, doentias, violentas e oportunistas que o movimento representa. Mas tudo indica que o desequilíbrio e a instabilidade permanente conduzem ao fim do governo, seja agora ou mais adiante.
Por isso, já começam as movimentações de alinhamento pós-Bolsonaro, revelando o fracasso que recai sobre a geração de militares que assumiram posições políticas em diversos cargos no atual governo, antes ocupadas por civis. Fracasso que atinge também o estamento judicial e burocrático, que alimentou o processo que levou o suposto mito ao poder, cuja melhor representação é a Lava Jato, comandada por Sérgio Moro e pelos procuradores da República de Curitiba.
Para a construção desse tipo de alinhamento, convergem forças sociais diversas, que contarão com a representação de trabalhadores urbanos, camponeses, movimentos sociais, intelectuais, burocracia, religiosos esclarecidos, empresários nacionalistas e muitos outros que, no passado recente, denegriram a soberania do país e defenderam a exploração das forças do trabalho.
Porém, esses grupos não toleram mais tantas ameaças à ordem democrática liberal e, assim, tendem à formação inicial de um movimento reformista, que procurará manter de pé todo o apoio que deu origem a Bolsonaro (e seu fascismo tupiniquim), que facilitou a quebra da indústria nacional, gerou ganhos fabulosos ao mercado financeiro, alinhamento cego ao imperialismo americano e asfixiou os trabalhadores e movimentos sociais. A ponto de termos congelados (desde o governo Temer), por 20 anos, os investimentos em setores essenciais como saúde, educação e ciência e tecnologia. O resultado foi a ampliação do estado exploratório, com o empobrecimento cruel da população e o enriquecimento exponencial dos banqueiros.
Diante disso tudo, as forças populares, progressistas e nacionalistas (que defendem os interesses dos trabalhadores, dos movimentos sociais, da cultura e da arte e da soberania popular) precisam tomar muito cuidado para não caírem nas mesmas manipulações do passado — como ocorreu em 1984/1985, na Constituinte de 1987/1988 e no “fora Collor” de 1992, em que as forças exploratórias se uniram ao campo progressista na virada histórica para a “revolução democrática”.
Uma vez consolidada a ruptura, contudo, as forças populares foram deixadas de fora e os grupos progressistas firmaram um “acordão” com os representantes do antigo regime, para excluir seus comandantes e operadores do julgamento da História, de forma a permitir a negação da memória e impedir a efetivação do programa constitucional democrático, que transformaria a vida de milhões de brasileiros pobres. Gente que, ainda hoje, continua relegada à sorte e à miséria.
É o que nos mostra a luta de mais de 40 milhões de brasileiros, premidos pela necessidade de sobrevivência, que enfrentam filas e a doença que assola o mundo, na esperança de receber os meros R$ 600,00 prometidos pelo governo. O que nos revela a insignificância da vida da população para a elite do país.
* Jorge Folena é pós-doutorado em Ciência Política; mestre em Direito; advogado e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.