Além da ampla aliança em torno da candidatura Lula, com o objetivo específico de disputar a eleição presidencial, o resgate do Brasil requer um projeto nacional que traduza a ideia de democracia, para a população, em soluções concretas aos seus problemas, propõe o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto Lula. Em síntese, trata-se de ganhar a eleição e começar logo a reverter danos provocados pelo ultraliberalismo imposto desde 2016, com o golpe que afastou Dilma Rousseff.
“Eu vejo dois movimentos: a frente política para interromper o protofascismo; e, imediatamente após a derrota do bolsonarismo, a necessidade de se organizar o Estado brasileiro em torno de uma perspectiva que negue o neoliberalismo e construa um novo horizonte, mais promissor, em que o Brasil terá um papel fundamental na geopolítica mundial”, afirmou em entrevista no último dia 6 ao Soberania em Debate, realizado pelo Movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).
Na avaliação de Pochmann, as possibilidades de inserir o país globalmente, especialmente no contexto sulamericano, são hoje ainda melhores do que nos primeiros governos petistas, há 20 anos. O campo progressista, no entanto, diz ele, precisa reconhecer a existência de um movimento de extrema direita com lastro popular e entender as formas como ele opera.
“A frente, que é absolutamente necessária para interromper esse movimento de extrema direita com a vitória eleitoral do campo democrático, não será suficiente se não vier junto com uma mudança de rumo do ponto de vista econômico nacional”, destaca.
Isso significa, de acordo com o economista, combater a fome, buscar sempre o pleno emprego e a distribuição e o aumento da renda dos trabalhadores. Ele também defende que o próximo governo “chame o povo para estar mais próximo nas decisões”. Medida especialmente importante pelo fato de não poder contar com maioria parlamentar.
“Acredito que um governo Lula iniciaria de forma muito proativa. Ele sabe que é fundamental mobilizar a população e retirar o descrédito que a política vem tendo no país. Sabe também que não terá muito tempo para elaborar ações que tragam resultados imediatos, entre os quais o tema da fome é estratégico, pelas condições que estamos vivendo hoje. E creio que ele buscará uma articulação com governadores e ações imediatas, do ponto de vista de obras e de investimentos, que rearticulem a base econômica e viabilizem o mais rapidamente a recuperação do emprego e da renda.”
Tudo isso, diz Pochmann, levando em conta o contexto macroeconômico e as condições objetivas em que o país será entregue à nova gestão, bem como as disputas naturais de interesses expressos pelas diferentes forças políticas que compõem a frente eleitoral. O economista ressaltou que o avanço da extrema direita não se deu espontaneamente, mas está associado ao contexto econômico e social.
“De fato, há problemas na democracia no mundo, e no Brasil não é diferente. Há dificuldade de fazer com que a democracia concretize a realidade da população. Palavras não mudam o dia a dia do transporte, da insegurança, da escassez de alimento. Precisamos responder a questões concretas. E isso é possível para o Brasil, uma vez que se combine a questão interna com a externa, com um olhar especial ao ambiente sulamericano.”
De acordo com Pochmann (foto), o Brasil poderia liderar a restauração da América do Sul como um centro de desenvolvimento regional. Seria possível organizar, diz ele, uma nova agenda tanto com os EUA, como com a China ou a União Europeia. E ainda somar forças a outros países da região para fortalecer a abordagem conjunta da questão democrática.
O crescimento do movimento popular de direita, que contém características de insurgência, na avaliação do economista, tem, no Brasil, aparece na trajetória do voto bolsonarista, de 2018 a 2022, e tem relação com a decadência de várias regiões do país, que foram muito fortes no passado recente, vinculadas à industrialização. “Há sinais claros de que em um país que já está há algum tempo sem crescimento econômico, há uma degradação na infraestrutura e segmentos sobretudo de renda intermediária que estão preocupados com sua realidade”, afirmou Pochmann. “É muito importante chamar a atenção para o fato de que há um movimento popular, que não vai desaparecer, que veio para ficar por mais tempo.”
Nesse contexto, o presidente do Instituto Lula também defende a reorganização do campo progressista. “Porque há uma série de lacunas e dificuldades, diante de uma sociedade que mudou muito rapidamente. Esse período longo que já estamos vivendo, em que há um esvaziamento da indústria, foi impactando desfavoravelmente aquela sociedade urbana industrial, que havia viabilizado a reorganização dos partidos na virada dos anos 70, 80, o fortalecimento do sindicalismo, mesmo o aparecimento do Partido dos Trabalhadores. Estamos diante de uma sociedade muito diferente, em que há novos vetores organizativos, de milícias, de igrejas, o próprio crime organizado, novos elementos que foram ganhando espaço nesse vácuo — espécie de ruína da sociedade industrial.”
Nesse contexto, as duas principais classes econômicas — a burguesia industrial e o operariado industrial – , perderam importância, subsistindo apenas como resíduo, diz o economista. “E há hoje uma proliferação de microempreendedores pela sobrevivência, numa necessidade enorme de lutar, e uma luta sempre com características individuais, concorrenciais, de que a extrema direita se aproveita para chegar com suas ideias, que não oferecem futuro, mas que congelam, cancelam o futuro, e colocam o curto prazo nas condições humanas.”
A campanha eleitoral, engolfada pela agressividade das estratégias da direita, infelizmente não tem permitido ao campo democrático, na opinião de Pochmann, apresentar as propostas concretas para um futuro de melhor qualidade de vida para a população. “Partindo da premissa de que o presidente Lula representa de fato as instituições democráticas, a possibilidade de convivência com coesão social, a base pela qual a sua candidatura ganhou vigor é uma base popular, assentada numa perspectiva de sociedade do trabalho, na defesa permanente do pleno emprego, da inclusão social. E isso obviamente alcançado através de um amplo diálogo nacional.”
> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)
> Confira o Soberania em Debate com o economista Marcio Pochmann, presidente do Instituto Lula, entrevistado pela jornalista Beth Costa e pelo advogado e cientista político Jorge Folena, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano