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Quinta-feira, às 16h

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A constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet | Jorge Folena

Por Jorge Folena*

O ministro Dias Toffoli, do STF, no julgamento dos recursos que tratam sobre a responsabilidade das plataformas digitais, a partir da interpretação do artigo 19 da Lei 12.965/12 (Marco Civil da Internet), manifestou “que a evolução da internet desde a edição da lei requer a atualização das regras”. Disse também que “é preciso atualizar o regime de responsabilidade dos provedores para se adequar ao modelo atual da internet, que privilegia o impulsionamento de conteúdos com inverdades, estímulo ao ódio e situações ilícitas.”

Sem dúvida, é preciso avançar na legislação em vigor, para que se possa combater toda forma de incitação ao ódio e a propagação de ofensas e ameaças na rede mundial de computadores, as quais “não estão abrangidas pela cláusula constitucional da liberdade de expressão e pensamento”, segundo a jurisprudência do STF.

O exame da questão retoma o debate para definir até onde os ministros do STF podem legislar e invadir a competência do Congresso Nacional, que, até aqui, se omitiu de aprovar uma lei de combate às “fake news” no país, tendo em vista as manipulações e distorções a que temos acompanhado nos últimos anos.

O artigo 19 do Marco Civil da Internet prevê que “com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

Pela leitura do artigo não constato nenhuma inconstitucionalidade no referido dispositivo legal, que inclusive, ao meu sentir, assegura o princípio fundamental do contraditório e está em linha com a jurisprudência do STF, quando estabeleceu a interpretação constitucional a ser aplicada quanto à responsabilidade das empresas jornalísticas, firmada no tema 995.

A referida tese fixou que “a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura.”

O texto do artigo 19 expressa que aquela lei tem “o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. Isto é, a jurisprudência do STF reafirma a proibição à censura, igualmente prevista na lei. A jurisprudência também protege o direito à liberdade de expressão, graduado pelos limites da responsabilidade, sendo que, no caso das empresas de jornalismo, quando “o entrevistado imputa falsamente prática de crimes a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se comprovada a sua má-fé”.

A responsabilidade dos provedores, prevista no artigo 19, somente se aplicará se, após a comunicação de ordem judicial específica, eles não tomarem as providências necessárias para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente na ordem judicial, quando, então, ficará caracterizada a sua má-fé, como na propagação de notícias falsas por terceiros.

Aliás, foi exatamente o que ocorreu no caso da empresa X, de Elon Musk, que reiteradamente descumpriu ordem judicial para retirada de conteúdo, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, passando assim a ser responsável pelas veiculações consideradas ilícitas.

Em relação a este debate, considero importante lembrar que a Constituição brasileira estabelece que o Estado atuará “como agente normativo e regulador da atividade econômica”, e, sendo assim, as big techs não têm território livre para fazerem o que bem entendem, sendo o Marco Civil da Internet a legislação que regulamenta o assunto até aqui, conforme aprovado pelo Congresso Nacional.

Assim, ao meu sentir, o artigo 19, além de não apresentar qualquer traço de inconstitucionalidade, está em linha com a aplicação da responsabilidade civil interpretada pelo STF para o setor de jornalismo, que exige a má-fé e o dolo para a responsabilização das empresas e garante o contraditório.

É certo que a internet não pode constituir um espaço livre para a “atuação de grupos extremistas e de milícias digitais nas redes sociais com a massiva divulgação de discursos nazistas, racistas, fascistas, de ódio e antidemocráticos”, como ressaltou o ministro Moraes na em sua decisão na Petição 12.404, no STF, porém o artigo 19 do Marco Civil da Internet não pode ser considerado inconstitucional pela ocorrência desses graves fatos.

Portanto, a sociedade precisa refletir sobre os interesses camuflados nessa tentativa de tornar inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet; em especial, devem ficar atentos os setores da mídia progressista, que atuam nas plataformas digitais em defesa da democracia, da memória, da verdade e da justiça e no combate à desinformação, estratégia de poder e dominação empregada por setores da imprensa reprodutora dos interesses da classe dominante.

 



* Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ, Jorge também coordena e apresenta o programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.