Por Jorge Folena*
O corregedor Nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, no seu voto pelo afastamento da juíza lavajatista Gabriela Hardt das suas funções, trouxe ao debate o acordo de leniência firmado entre a Petrobras, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América do Norte e a Procuradoria do Leste de Virginia, de interesse da lava jato, que construiu um estratagema para, de forma ilícita e simulada, receber uma generosa comissão, num nocivo esquema desenvolvido entre juízes e procuradores.
Nesse ponto, é importante resgatar o que manifestou o próprio ex-chefe da força tarefa de Curitiba, em 25 de julho de 2016, em um dos diálogos obtidos na “Operação Spoofing” e tornados públicos pelo STF: “talvez dependamos de fazer um acordo com a vítima, a Petrobras. Vc. Podia marcar a reunião com a Petrobras para isso tb. A justificativa é que sem investigação e sistemas etc. nunca ela seria ressarcida. 10% é algo razoável a perder para ganhar muito mais. …”.
Em decorrência da correição feita pelo CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba, o corregedor pôde expressar, em sua decisão, que os “membros da força tarefa agiram (…) para auxiliar autoridades americanas a construírem casos criminais em face da Petrobras com interesse no retorno de parte de multa que seria aplicada”.
Assim, segundo o corregedor, o referido acordo, celebrado pela Petrobras com os seus sócios minoritários nos Estados Unidos, nasceu de pressão dos integrantes da lava jato para se beneficiarem e formarem uma fundação de direito privado, que viria a ser a base política e financeira para o partido político dessa organização, que, num gesto de traição nacional, atentou contra a soberania do país, levou à derrocada das nossas empresas de engenharia, causou o desemprego de milhões de trabalhadores brasileiros, destroçou com a democracia e abriu as portas do país para o fascismo.
É importante lembrar que os dois principais líderes desta organização (um ex-juiz e um ex-procurador) eram, na verdade, políticos transvestidos de autoridades do sistema de justiça, que depois foram eleitos senador e deputado federal pelo Estado do Paraná e são explícitos apoiadores da extrema-direita, que atenta diariamente contra o Estado Democrático de Direito e as instituições políticas do Brasil.
Dito isto, considero importante resgatar do texto da mencionada transação (assinada pela Petrobras durante o governo de Michel Temer) a afirmação de que a petrolífera brasileira “fez acordo em uma ação coletiva privada de acionistas, a Petrobras Securities Litigation, n. 14-cv-9662 (S.D.N.Y), relativa à conduta descrita na Declaração de Fatos, segundo a qual concordou em pagar US$ 2,95 bilhões”. Lembrando que a Vale do Rio Doce foi privatizada, na era FHC, por R$ 3 bilhões de reais e o acordo da lava jato nos EUA foi de quase 3 bilhões de dólares.
O acordo privado celebrado entre a Petrobras e os autores da mencionada ação coletiva foi uma forma simulada de transferir indevidamente divisas do Brasil, em desacordo com a legislação brasileira, para favorecimento dos acionistas minoritários estrangeiros e da própria lava jato, como foi apurado pela Corregedoria do CNJ.
Em 03 de janeiro de 2018, a Petrobras levou a público, por meio de fato relevante, o seguinte:
“Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 2018 – Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras informa que assinou acordo para encerrar a Class Action em curso perante a Corte Federal de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.
O acordo, que será submetido à apreciação do Juiz, objetiva encerrar todas as demandas atualmente em curso e que poderiam vir a ser propostas por adquirentes de valores mobiliários da Petrobras nos Estados Unidos ou listados naquele país. O acordo elimina o risco de um julgamento desfavorável, que, conforme anteriormente reportado ao mercado, poderia causar efeitos materiais adversos à Companhia e à sua situação financeira.
Além disso, põe fim a incertezas, ônus e custos associados à continuidade dessa ação coletiva. No acordo proposto para o encerramento da ação, a Petrobras pagará US$ 2,95 bilhões, em 2 (duas) parcelas de US$ 983 milhões e uma última parcela de US$ 984 milhões. A primeira parcela será paga em até 10 (dez) dias após a aprovação preliminar do Juiz. A segunda parcela será paga em até 10 (dez) dias após a aprovação judicial final. A terceira parcela será paga em (i) até 6 (seis) meses após a aprovação final, ou (ii) 15 de janeiro de 2019, o que acontecer por último. O valor total do acordo impactará o resultado do quarto trimestre de 2017.
O acordo não constitui reconhecimento de culpa ou de prática de atos irregulares pela Petrobras. No acordo, a Companhia expressamente nega qualquer responsabilidade. Isso reflete a sua condição de vítima dos atos revelados pela Operação Lava Jato, conforme reconhecido por autoridades brasileiras, inclusive o Supremo Tribunal Federal. Na condição de vítima do esquema, a Petrobras já recuperou R$ 1,475 bilhão no Brasil e continuará buscando todas as medidas legais contra as empresas e indivíduos responsáveis.
O acordo atende aos melhores interesses da Companhia e de seus acionistas, tendo em vista o risco de um julgamento influenciado por um júri popular, as peculiaridades da legislação processual e de mercado de capitais norte-americana, bem como o estágio processual e as características desse tipo de ação nos Estados Unidos, onde apenas aproximadamente 0,3% das class actions relacionadas a valores mobiliários chegam à fase de julgamento.
O acordo será submetido à apreciação do Juiz, que, após aprovação preliminar, notificará os membros da Classe. Após avaliar eventuais objeções e realizar audiência para decidir quanto à razoabilidade do acordo, o Juiz decidirá sobre a sua aprovação definitiva.
As partes pedirão à Suprema Corte norte-americana que adie, até a aprovação final do acordo proposto, a decisão quanto à admissibilidade de recurso apresentado pela Petrobras, o que estava previsto para o dia 05/01/2018.”
Ou seja, a Petrobras firmou, de forma prematura, referido acordo “para encerrar a Class Action em curso perante a Corte Federal de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América”, de modo a beneficiar, a princípio, acionistas americanos (“sócios” minoritários da companhia), que sequer tiveram sua expectativa de direitos reconhecida judicialmente, e sem que a empresa tenha logrado que o recurso por ela interposto fosse examinado e julgado pela Suprema Corte Americana, como anunciado no próprio fato relevante, e também reconhecendo que “o acordo não constitui reconhecimento de culpa ou de prática de atos irregulares pela Petrobras.” Ora, se não houve culpa nem foram praticados atos irregulares, porque o acordo foi firmado, se não havia qualquer decisão contrária à empresa?
Além disso, ao fazer o mencionado acordo, a Petrobras (sob pressão da lava jato) possibilitou a indevida transferência de divisas do Brasil para o exterior, que podem ter sido usadas pelos supostos “acionistas” americanos para a aquisição de mais ações da empresa (no momento em que estavam desvalorizadas), e sendo a outra parte dos recursos devolvida em forma de comissão (“10% é algo razoável a perder para ganhar muito mais”), para ser empregada em favor da própria lava jato, que usaria o dinheiro para constituir a sua fundação, o que foi suspenso por decisão do ministro Alexandre de Moraes, na ADPF 568.
Com efeito, na sua decisão, o ministro Alexandre de Moraes reconheceu que a lava jato firmou ilegalmente o acordo nos EUA, sem nenhuma consulta à União ou à sua chefia na PGR; e o mais grave, identificando-se como “Brasil” ou “autoridades brasileiras”, conforme trecho a seguir:
“Após a celebração do primeiro acordo entre as autoridades norte-americanas e a Petrobras, a empresa brasileira e Procuradores da República no Paraná, inexplicavelmente, optaram pela realização de um segundo acordo, sem qualquer participação da Chefia Institucional e Administrativa do Ministério Público, a Procuradoria-Geral da República, como determina o artigo 26, inciso I, da LC 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União).
Sem consulta à União ou à Procuradoria-Geral da República, a Petrobras e a Procuradoria da República no Paraná resolveram, de maneira sigilosa e à margem da legalidade e da moralidade administrativas, definir esse órgão de execução do Ministério Público de 1ª instância como ‘Brasil’ e ‘autoridades brasileiras’, referidos no termo de acordo com as autoridades norte-americanas, e, consequentemente, como destinatário da administração e aplicação dos valores da multa, em total descompasso com as normas constitucionais e legais que regem o Parquet.”
Pressionada pela lava jato, a Petrobras, na época do governo de Michel Temer, abriu mão do seu dever moral e jurídico de se defender nos Estados Unidos contra seus “sócios” minoritários, porque, como expuseram o corregedor do CNJ e o ministro Alexandre de Moraes, o referido acordo foi firmado contra disposição da legislação brasileira e constituindo uma forma simulada de pagamento, na medida em que não caberia à Petrobras promover a reparação de “acionistas”, pois, como sócios da empresa, a eles caberia a eventual propositura de ação de reparação de danos contra os administradores, para exigir deles a reparação civil em favor da companhia, como determina a Lei das Sociedades Anônimas.
Assim, a responsabilidade civil deveria recair sobre os gestores, e não sobre a empresa, como indevidamente construído pela lava jato, pela diretoria da Petrobras (no governo de Michel Temer) e pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
O mais lamentável e até mesmo revoltante foi ouvir, na sessão do dia 16 de abril no CNJ, as falas cínicas sobre “contemporaneidade”, pois o tempo está passando e com ele se escoa o prazo de prescrição para se buscar a responsabilização de todos os envolvidos.
O voto do ministro corregedor do CNJ deixou patente que, além do peculato e da corrupção, a assinatura do referido acordo foi, em tese, uma traição nacional promovida pelos integrantes da lava jato, que impuseram à Petrobras firmar o acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, para favorecerem acionistas minoritários americanos e, ao final, obterem vantagens por meio da fundação de direito privado que iriam constituir para seu grupo, mediante a devolução de parte dos recursos transferidos para o exterior. Literalmente: “10% é algo razoável a perder para ganhar muito mais.”
A coisa é muito mais séria do que se pode imaginar e o ministro Barroso deverá ficar com seu cabelo em pé, a partir da leitura do relatório apresentado, pois, pelo visto, o corregedor do CNJ já teve acesso a todos os documentos da farsa montada pela lava jato para sangrar os cofres da Petrobras e se beneficiar; o enredo, montado entre 2016/2018, que parecia um roteiro cinematográfico para um filme de “mocinhos bons e bem educados”, vai sendo agora desmontado e se revela como uma lesiva trama de cobiça, espionagem e traição.
Por ironia do destino, os que se apresentavam como combatentes da corrução agora estão sendo desmascarados como corruptos. Mas a sociedade deve ficar atenta, pois o discurso manipulado por eles costuma dar audiência. Assim, no horizonte há sempre a ameaça de uma reprise, a reencenação de uma “nova” operação com “novos mocinhos”.
Artigo 159, § 7o, da Lei 6.604/76.
*Jorge Folena é advogado e cientista político. Secretário geral do Instituto dos Advogados Brasileiros e Presidente da Comissão de Justiça de Transição e Memória da OAB RJ. Apresentador do programa Soberania em Debate, do movimento SOS Brasil Soberano, do Senge RJ.
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