Para os agricultores orgânicos e familiares, é tempo de recuperar o solo arrasado deixado pelos governos neoliberal de Temer e fascista de Bolsonaro. Indissociável das questões sociais e ambientais, a agroecologia tem pautas urgentes a serem tratadas e uma missão: reconstruir e fazer avançar as políticas públicas voltadas à produção de alimentos para o povo e à sustentabilidade, destruídas nos últimos anos.
Com um governo de frente ampla e eleições municipais se aproximando, mobilização, organização e pressão são fundamentais. É neste contexto que acontece a 12ª edição do Congresso Brasileiro de Agroecologia. Comemorando os 20 anos de articulação e luta por justiça ambiental e agricultura sustentável, o congresso retorna ao Rio de Janeiro, entre os dias 20 e 23 de novembro, em uma edição mais que especial.
Pela primeira vez, as cinco mil pessoas aguardadas pela organização não estarão apenas dentro das universidades. O “CBA na boca do povo” vai além do slogan: a programação ocupará diversos espaços do centro do Rio de Janeiro. O “novo normal” pós-pandêmico da agroecologia, depois de quatro anos sem grandes encontros, será nas ruas, com e para o povo.
O cortejo de abertura irá do Buraco do Lume à Fundição Progresso, em pleno Dia da Consciência Negra. Ali perto, o Circo Voador também receberá parte da programação, bem como a Associação Cristã de Moços e a Escola Superior de Desenho Industrial da UERJ. Sob os Arcos da Lapa, serão realizadas ações contra a fome com o MST e o Teatro do Oprimido, enquanto as conferências acontecem simultaneamente nestes espaços e também no Cine Odeon, na Cinelândia. A Feira de Saberes e Sabores, no Passeio Público, aberta ao público, terá cerca de 300 agricultores e agricultoras e comunidades tradicionais, com alimento saudável e artesanato.
Após a realização de 12 lives preparatórias para o congresso, as “Quintas Agroecológicas”, no YouTube do Senge RJ, aconteceu, em 09/11, um encontro de transmissões: o Soberania em Debate, programa do projeto SOS Brasil Soberano, recebeu Jorge Antônio da Silva, que vem participando da Comissão de Comunicação do CBA e Luis Fernando Wolff, da Embrapa, para falar sobre os principais temas que estarão em debate na próxima semana.
Por um modelo saudável e socialmente justo
A urgência de uma profunda mudança na atividade exploratória, empresarial, de grandes produtores rurais vem sendo apontada desde a década de 1980 por especialistas. De lá para cá, práticas como o uso indiscriminado de agrotóxicos só aumentou no Brasil. A agroecologia nasceu e cresceu como alternativa a esse modelo de produção predatório, conectando saberes tradicionais a avanços da ciência em um sistema que agrega técnicas de manejo que têm firme compromisso com a preservação dos biomas nos quais produzem.
Para Jorge Antônio, após anos de descaso e eliminação de políticas, é hora de reconectar a agroecologia e o Poder Público. “O momento é de construção de resistência de segmentos populares urbanos e camponeses. A agroecologia é um modo de vida. Você trabalha não só a produção de alimentos saudáveis, mas também a fixação do homem no campo, reforma agrária, conservação ambiental. A redução de recursos foi drástica e a expectativa é que o atual Governo atue de forma célere para reconstruir o que o anterior destruiu rapidamente, com decisões assertivas, colocando investimentos em instituições que foram completamente desmontadas”, destacou o diretor do Senge RJ.
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo Federal, é apontado por Jorge como um exemplo importante dessas políticas públicas: “O PAA, juntamente com o Programa Nacional de Alimentação Escolar, estão entre as pautas do Confea e da agroecologia. Eles permitem que os produtores planejem sua produção e tenham acesso a mercados regionais, abastecendo suas comunidades, adequados às diferenças regionais, envolvendo todo o movimento. A ideia é que o CBA dê o gás necessário para que todos voltem para seus municípios prontos para os debates para as eleições municipais”.
Disputando a institucionalidade
Na construção de redes, necessária para fortalecer as políticas voltadas ao manejo agroecológico, a disputa pelas instituições é fundamental. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa é peça central nessa disputa. Com 50 anos de atuação, responsável por fazer avançar enormemente a produção agrícola no Brasil com a geração e difusão de conhecimentos e tecnologias, a empresa vem aos poucos se posicionando dentro da realidade imposta pelas aceleradas e severas mudanças climáticas e crescente desigualdade social.
“A Embrapa vem assumindo para si, cada vez mais, a responsabilidade de apontar soluções sustentáveis não só econômicas, ambientais e tecnológicas, mas também sociais. Sem o fator social, o tripé da sustentabilidade – formado também pelos fatores ambientais e econômicos – não se equilibra”, destacou Wolff. O pesquisador conta que, entre as 43 unidades descentralizadas da empresa, muitas focadas em determinados produtos, como a Embrapa Algodão, Embrapa Uvas e Vinhos, Embrapa Caprinos etc, há as que se dedicam ao desenvolvimento eco regional. “A Embrapa Clima Temperado, de Pelotas/RS é um exemplo disso. Nossa expectativa é que a Embrapa foque cada vez mais em modos sustentáveis de produção, em sistemas que considerem aspectos sociais e ecológicos, além dos econômicos”, declarou.
Entre resistências e idiossincrasias, vai ganhando força dentro da empresa o entendimento da importância de assumir essa responsabilidade não só na produção, mas na preservação do ambiente onde ela acontece e na justiça para aqueles que as manejam. Segundo Wolff, as iniciativas já acontecem em algumas unidades e realizam eventos onde aproximam a empresa dos agricultores orgânicos: “Em Pelotas, na unidade em que trabalho, realizamos anualmente, no início de dezembro, o Dia de Campo de Agroecologia e Produção Orgânica. Neste ano, ele acontecerá junto com a Feira da Agroecologia, não só com produtos dos agricultores, mas também com serviços de empresas e ONGs voltadas para eles. Haverá, ainda, a Ciranda Agroecológica, para crianças e jovens, resultado de uma articulação com escolas agrícolas da região. São iniciativas gestadas dentro da Embrapa, que ainda enfrenta suas dificuldades em assumir plenamente sua responsabilidade social do ponto de vista socioeconômico, ambiental e agroecológico, mas que avança”, comemorou.
Terra e justiça
O acesso à terra, problema histórico em um país que ainda não conseguiu fazer sua Reforma Agrária, não poderia ficar fora dos debates e da própria alma do congresso. Os latifúndios improdutivos seguem sendo enormes obstáculos no combate à fome e a violência vem vitimando lideranças da luta pelo direito de habitar e produzir. A pauta é importante dentro do contexto do CBA, que terá o Armazém do Campo, do MST, como uma de suas sedes este ano.
“A FAO, em 2014, identificou que dos 570 milhões de estabelecimentos agrícolas do mundo, 500 milhões, cerca de 90%, são administrados ou dependem do trabalho de uma família camponesa. Destes, 470 milhões possuem menos de dois hectares. Essas unidades respondem pela produção de 80% dos alimentos consumidos no planeta. É essa a realidade da produção de alimentos no mundo”, declara Jorge Antônio, destacando o absurdo de, ainda assim, haver tantos produtores rurais sem terras no Brasil.
Dentro da Embrapa, a aproximação e trocas com os movimentos sociais do campo também vem ganhando espaço. “O MST é um movimento social importantíssimo ligado ao campo e à questão agrária. Ele está umbilicalmente ligado à agroecologia. Essa ligação precisa ser ampliada dentro das instituições. Em Pelotas, coordeno uma equipe de pesquisadores que trabalha em colaboração com os movimentos sociais ligados à produção orgânica, à agricultura familiar, que reconhece a importância desses movimentos na produção de alimentos saudáveis, atenta à sustentabilidade”, contou Fernando Wolff.
Dentro da programação do CBA, a questão do acesso à terra estará presente em diversos momentos. E ela está mais viva que nunca: Jorge lembra que, recentemente, o governo de São Paulo ofereceu benefícios a grandes ocupantes de territórios, com desconto de 90% para aquisição de novas terras. “São terras que poderiam ser colocadas à disposição da reforma agrária. Entre as muitas atividades autogestionadas do congresso estarão debates sobre esse cenário e a busca de soluções com o MST e e outros movimentos reunidos em fóruns. Ali acontecerão apresentações de inúmeras experiências concretas e também de demandas e denúncias. Temos certeza que os representantes do Governo Federal presentes estarão com ouvidos abertos a essas manifestações”, comemorou Jorge Antônio.
Após a última live da série “Quintas Agroecológicas”, em 16/11, findados os eventos preparatórios para um CBA que promete ser histórico, começa a contagem regressiva para a ocupação do Centro do Rio nos dias 20, 21, 22 e 23 de novembro. A Lapa, a Cinelândia e o Passeio Público ficarão pequenos para as cinco mil pessoas aguardadas e para a produção e compartilhamento de conhecimentos e potência de luta por um futuro sem fome, com saúde, em um mundo onde a vida humana siga viável.