SOBERANIA EM DEBATE

Quinta-feira, às 16h

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O historiador Sidnei Munhoz analisa as relações internacionais do Brasil em um novo governo popular democrático

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Sidnei J. Munhoz*

O Brasil sob um novo governo popular democrático e de reconstrução da soberania nacional deverá retomar uma estratégia no campo das relações internacionais que, de um lado, valorize as negociações multilaterais e, de outro, demarque claramente os seus interesses como potência emergente. Para fazê-lo, o país deverá adotar estratégias com vistas a recuperar a sua proeminência no cenário internacional duramente erodidas pela subserviência às potências tradicionais durante o período do governo ilegítimo de Michel Temer. Isso não será tarefa fácil, uma vez que a diplomacia do país assumiu compromissos antinacionais associados aos interesses do grande capital internacional e das chamadas potências centrais. Em decorrência, faz-se urgente distinguir os interesses nacionais e assinalar a retomada de uma perspectiva de diplomacia propositiva em defesa da soberania e dos interesses nacionais e populares. Ainda, o novo presidente deve se colocar à frente de uma diplomacia de negócios, tornando-se personagem central na promoção dos interesses brasileiros, com vistas à abertura de mercados tanto para as nossas estatais quanto para o setor privado.

A partir dessas premissas fundantes, cumpre de imediato imprimir as diretrizes que se seguem:

a) retomada do papel de proeminência que o Brasil teve nos Brics, duramente esgarçado pela subalternidade do país às potências centrais no período pós-impeachment; ainda no que se refere aos Brics, o país deverá buscar o reforço dos fundos para o financiamento ao desenvolvimento industrial dos países membros junto aos parceiros; em especial, no que se refere à China, um novo governo democrático popular deve assinalar a necessidade de repactuar as negociações comerciais de tal modo que o país não seja um mero fornecedor de commodities ao mercado internacional, mas tenha condições de expandir as exportações que possuam mais valor agregado. A implementação dessa estratégia não será fácil, mas o país poderá explorar a guerra comercial entre a China e os EUA para melhorar as suas bases de negociações com ambos os campos.

b) O Brasil deverá retomar e acelerar o processo de integração do Mercosul e, nesse sentido, explorar positivamente a crise argentina auxiliando o país vizinho por intermédio do estreitamento tanto das relações no interior do bloco quanto por intermédio de acordos bilaterais. Ainda em relação ao Mercosul, faz-se necessário abreviar as negociações com a Comunidade Europeia e pactuar acordos com os países do Caribe e com o México.

c) O Brasil deverá retomar a sua atuação propositiva na África e rapidamente recuperar os prejuízos ocasionados pelo descaso em relação ao continente ocorrido durante o governo de Michel Temer;

d) O Brasil deverá encetar negociações nada fáceis com os EUA, que no presente contexto assumem uma posição ultra-protecionista. Neste campo, poderá explorar a guerra comercial que a maior potência global está a mover contra a China. Nesse quesito, o Brasil precisa estabelecer negociações e explorar todas as possibilidades para exportar produtos com maior valor agregado e não apenas commodities. As diretrizes protecionistas, sempre presentes na política externa estadunidense, antes mascaradas, tornam-se cada vez mais patentes. Em certo sentido, a implementação dessa política pelo governo Trump coloca para o Brasil a possibilidade de estabelecer o princípio da reciprocidade nas negociações entre as duas maiores potências continentais. Nesse processo, sublinha-se a necessária atenção para que eventuais negociações bilaterais com os EUA não coloquem obstáculos para a fundamental consolidação do Mercosul e, em futuro próximo, para o estabelecimento de uma área de livre comércio no interior do bloco. O mesmo cuidado deve ser aplicado no que se refere aos Brics.

e) O Brasil precisa definir de forma mais consistente parcerias com o objetivo de pressionar por reformas na ONU, em especial na redefinição do seu Conselho de Segurança. Essa é uma tarefa antiga e difícil, em que houve alguns avanços durante o período Lula, mas ocorreu a erosão das estratégias encaminhadas naquele período, mesmo durante os governos de Dilma Rousseff, uma vez que, em decorrência da crise interna, o país se recolheu e perdeu a proeminência internacional que havia conquistado no período anterior. Após o impeachment de Dilma Rousseff, esse processo tornou-se muito mais evidente e o país praticamente abandou os objetivos estratégicos anteriormente definidos para este campo.

* Sidnei Munhoz é professor do Departamento de História da UEM. Doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (1997), possui pós-doutorado pela UFRJ (2002) e pela Brown University (2015-2016). Foi Visiting Scholar do Watson Institute for International and Public Affairs da Brown University. Foi professor do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e Research Student em The London School of Economics and Political Science (LSE- University of London) 1995-1996.