A necessidade urgente de despertar e mobilizar os engenheiros para intervirem na disputa pelos rumos do país dominou as intervenções, tanto de palestrantes quanto da plateia, durante o VI Simpósio SOS Brasil Soberano, que discutiu a engenharia e a soberania nacional, no dia 23 de agosto, durante a 75ª Semana Oficial de Engenharia e Agronomia (SOEA), em Maceió (AL). Em síntese, os participantes apontaram como prioridade a formulação de um “projeto de nação” e reconheceram que é preciso deixar de lado a inércia e o hiperfoco nas questões corporativas, sob o risco de a engenharia se tornar um acessório de baixo valor agregado em um país sem ciência, sem tecnologia, sem inovação, destinado apenas à exportação de matéria-prima.
“Temos que pensar no exercício da profissão de engenheiro junto com o projeto de construção de nação”, afirmou Olímpio Alves dos Santos, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ). “Não queremos fazer da engenharia uma coisa abstrata, que talvez sirva apenas ao deleite de alguns e ao enriquecimento de outros. Gostaria que todos refletissem sobre essa questão e que os encontros das Semanas de Engenharia motivassem os engenheiros a discutir as grandes questões nacionais, para depois executar a grande obra que seria construir uma nação com mais igualdade e soberania.”
Isso significa tomar posição em relação a medidas objetivas – privatistas e de desnacionalização –, ao ajuste fiscal e à retirada de direitos históricos do exercício da cidadania, promovidas pelo governo Temer, que já se refletem no agravamento da crise econômica e na piora da qualidade de vida no pais, alertou Clovis Nascimento, presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge). Segundo ele, cerca de 5 mil obras foram paralisadas desde 2015 e aproximadamente 50 mil engenheiros estão desempregados hoje, de acordo com dados da publicação “Brasil: Um Retrato do Mercado de Trabalho Formal na Engenharia”, lançado durante o simpósio. (Clique aqui para baixar o estudo)
“A partir de 2015, o Brasil começou a ter um desemprego crescente na engenharia”, afirmou o presidente da Fisenge. “A indústria naval talvez seja a que mais tenha sofrido com esse processo, especialmente devido à suspensão da política de conteúdo local. Ou nós vamos mudar essa política, resgatar o desenvolvimento brasileiro, ou a situação vai se agravar ainda mais. Não abrimos mão das questões corporativas mas temos a obrigação, pela nossa formação profissional, de contribuir para o desenvolvimento da nação, com crescimento, com emprego.”
Buscar um projeto nacional é a diretriz também da nova gestão do sistema Confea/Crea’s, conforme enfatizou o presidente da autarquia, Joel Krüger. “Quando as nossas empresas e recursos são atacados, o pré-sal, o petróleo, quando se deseja destruir a Petrobras, não podemos ficar omissos. Quando pretendem vender a Eletrobras, estratégica no setor de energia, não podemos ficar omissos. O Confea não está mais omisso.” Destacou, nesse sentido, posicionamentos oficiais da entidade contra, por exemplo, a Medida Provisória que fragiliza o subsídio cruzado no setor de saneamento ou contra a privatização das empresas do setor elétrico. “Faço questão de frisar que somos o sistema Confea/Crea’s, que somos Brasil, América do Sul, para deixar claro que não temos vergonha do que somos. E vamos ser protagonistas dessa história, estar na vanguarda, para que a soberania nacional seja defendida.”
Krüger acredita que iniciativas dos engenheiros podem contribuir para “tirar o Brasil dessa posição lamentável, em que os grandes players mundiais definiram Europa e EUA para ter ciência e tecnologia; a Ásia como a grande manufatura, e a América do Sul e África como os produtores de matéria prima”.
Carta de Maceió
A própria SOEA, explicou o presidente do sistema Confea/Crea’s, ganha assim um perfil mais político: “Precisamos colocar a nossa Semana Oficial de Engenharia e Agronomia em outro patamar. Precisamos sim fazer a discussão técnica, e precisamos fazer a dicussão a corporativa – em bem menor escala do que fazemos hoje –, mas precisamos discutir o nosso projeto de nação. Ter posições muito claras.” Clareza que ficou expressa, este ano, na carta oficial do evento, em que o “o Colégio de Entidades Nacionais do Sistema Confea/Crea (CDEN) condena a política econômica recessiva em curso, denuncia a sistemática desnacionalização do Patrimônio público em afronta à soberania nacional, defende o restabelecimento dos direitos sociais recentemente suprimidos e, por fim, declara que, para a manutenção da paz social, é necessário que o Brasil preserve a Democracia e reencontre o seu destino.”
Questões corporativas, de fortalecimento da engenharia na administração e nas políticas públicas, por exemplo, também podem repercutir na macropolítica, destacou o deputado federal Ronaldo Lessa, citando projeto de lei que visa regularizar a engenharia, a agronomia e atividades correlatas como carreira de Estado. “Está faltando na gente ter o protagonismo da história. Nós, técnicos, cruzamos os braços e deixamos que os outros, os advogados, bacharéis, assumam os cargos de importância no país. Na hora de se apresentar, o governo que pretende se reeleger mostra obra: hidrelétrica, estrada… E na hora do aumento? Não paga nem o mínimo da categoria profissional, em muitos estados. Mas, na hora de mostrar desenvolvimento, sabem apresentar as obras que a gente faz. É obrigado [o Estado] a ter um procurador mas não é obrigado a ter um engenheiro. Até para fazer projeto. Precisamos mudar essa cultura. Ser protagonista disso.”
Ao trabalho de criminalização da atividade política feito pela mídia, o deputado pede que os engenheiros reajam. “E reagir é entrar na política e discutir o projeto do pais. Temos o dever e o direito de fazer isso. É um apelo que eu faço: a engenharia acima de tudo é resolver problema, transformar, construir qualidade de vida. Trazer a nossa profissão para o grande debate que precisa ser feito no nosso pais.”
Chopp e política
Apelo semelhante veio da plateia do simpósio. “O que fazer para despertar os profissionais de tecnologia para virem debater a importância desse tema [a engenharia e a soberania nacional]? O que leva uma sociedade a tamanho desinteresse e desconhecimento? O que fazer?” A pergunta foi feita por Leonardo Taborda, do Rio Grande do Sul, indignado com colegas que não percebem a dimensão dos efeitos da agenda privatista e de desnacionalização em curso no país. “Não querem discutir política. Tu vais tomar um chopp: _ah, isso não me interessa, me interessa a minha empresa”, contou. “Está muito difícil.”
A saída é o chamado corpo a corpo, a mobilização diária, na avaliação do engenheiro Darc Costa, que foi vice-presidente do BNDES na gestão de Carlos Lessa. “Por mais que tentem nos apequenar,. somos um grande país. Precisa um projeto que mobilize a sociedade. Mas não será com essa mídia [que vamos construí-lo].Vai ser com a nossa conversa, de um a um. Precisamos acreditar nisso porque é o futuro dos nossos filhos e netos. A engenharia é o espaço onde se constrói um país. não é no bacharelato, nos advogados discutindo nos tribunais. É aqui, na engenharia. E temos que acreditar nisso. Vamos conseguir convencer nossos colegas, se eles entenderem que são os construtores de um grande país, e não são só figuras de mercado, como tentam nos vender.”
O VI Simpósio SOS Brasil Soberano – A engenharia e a soberania nacional contou com a participação, ainda, do diretor de tecnologia da Mútua, Marcelo Moraes, com o ex-secretário executivo do extinto Ministério da Ciência e Tecnologia, Luis Fernando Elias, e com a mediação da engenheira Giucélia Figueiredo, diretora da Mútua.
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