Festival Lula Livre: 80 mil pessoas nos Arcos da Lapa – Foto: Felipe Varanda
No colo da mãe, a pequena Uiarara, de carinha pintada, uma Guajajara do Maranhão, indicava que muitas tribos iriam se reunir sob os Arcos da Lapa para pedir a liberdade de Lula. Eram 14h e o Festival Lula Livre estava só começando, num sábado de céu azul intenso, marca registrada do Rio de Janeiro. E, de fato, no fim da noite de lua cheia e brilhante, quando Chico Buarque e Gilberto Gil entoavam Cálice, o coro da multidão era estimado em 80 mil pessoas.
Vindas dos quatro cantos da cidade, ou de fora, de variada faixa etária, todos e todas vestiam camisetas ou portavam adesivos exigindo Lula Livre, incluindo muitos ambulantes que não deixaram faltar comida nem bebida, especialmente no decorrer da noite longa. Por volta das 18h, deste 28 de julho, o metrô da Cinelândia despejava milhares de pessoas que chegavam para homenagear o preso político mais famoso da atualidade, até quase uma da madrugada quando a festa acabou.
Ainda sob sol forte, um boneco gigante com a cara do presidente petista, trajando uma faixa onde se lia Lula Livre, empolgou quem estava ao redor. As amigas Marília e Ana aplaudiam com entusiasmo. Goianas, em férias na cidade, souberam do evento e correram para trocar o horário do vôo de volta para a meia noite de domingo (29). Perguntadas se não temiam a violência indo para o aeroporto tão tarde, responderam no ato: “Nada, Lula nos protege”.
Perto delas a ambulante Maria emendou com firmeza: “O melhor governo que o país teve foi dele. O único que se lembrou da gente. Se Lula não for candidato, não voto em ninguém, nem adianta pedir!” No palco ou na plateia se sucediam as declarações enaltecendo o homem que tirou o Brasil do mapa da fome da ONU. Gabriel Moura fez uma paródia com a história de Lampião e arrancou demorados aplausos ao cantar A saga de Lula e Marisa bonita. “Furaram seu olho/tiraram seu coro/ é o cangaço humano/a lei do cão/ e Marisa bonita é seu lado esquerdo do peito/seu norte/sua proteção”. A letra da música parecia sublinhar as palavras da deputada do PCdoB, Jandira Feghali, ao definir o que acontecia no Festival: “Arte e liberdade essenciais para o Brasil voltar para nós”.
O médico e eterno craque Afonsinho reforçou: “Queremos Lula Livre pela própria liberdade, por um mínimo de decência no país.” Decência que sempre pautou a forte biografia de Lula e D. Marisa lida pelos atores Osmar Prado e Inês Viana. A médica Joyce Aragão, que, no Ministério da Saúde dos governos Lula, construiu a política de saúde da população negra, ouvia comovida. Ao seu lado, a presidente do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), Lucia Souto, resumia o sentimento: “Está todo mundo com saudade dele. É preciso Lula Livre para voltar a ter esperança.”
Não menos emocionado estava o ator Herson Capri ao ler a carta que Lula enviou, agradecendo ao povo e aos artistas presentes a grande homenagem, reconhecendo a firme solidariedade de tantos músicos, atores, poetas e escritores nos momentos mais difíceis de sua vida. “A música e os livros têm me ajudado a suportar a provação por que estou passando e que é igual a dos trabalhadores que pelejam para garantir o pão da família”, dizia um trecho. Foi ouvido atentamente e aplaudido com a explosão do velho e querido refrão das campanhas do presidente. “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”. Outro grito lembrou a presidenta Dilma Rousseff: “Dilma guerreira/ do povo brasileiro”.
“É preciso que vença a verdade para que a história não seja derrotada”, afirmou o conselheiro federal do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), pelo Rio de Janeiro, Carlos Fernando Andrade. Logo adiante, o cineasta Noilton Nunes afirmava: “É o momento do povo brasileiro encontrar seu verdadeiro destino”. Eram mais dois na plateia onde muitos exibiam a máscara com o rosto do Lula. O que também acontecia no palco.
Foram vários os momentos de intensa emoção proporcionados pelos músicos que se apresentaram. O gaúcho Filipe Catto, dono de uma voz belíssima e um guerreiro na luta contra a homofobia, lembrou a vereadora assassinada Marielle Franco, do PSOL, e declarou: “A gente não é minoria, a gente é a maioria que sonha Lula Livre!” O violonista Marcos Lucena dedicou Asa Branca ao homenageado e cantou acompanhado em bonito coro pela multidão.
Outro momento contagiante foi a exibição da MC Carol, de Niterói. Evocando mulheres negras e guerreiras como Xica da Silva, mandou um funk sincero, citando o povo da favela “para onde não valem a lei e a verdade, somente o tiro e a covardia que seguem matando seus jovens a cada dia”. Ou Daniel Theo cantando em inglês a música que está fazendo sucesso no mundo. Você não está só é o título da canção que homenageia grandes ícones da luta contra a desigualdade, entre eles Lula, Gandhi e Mandela. Daniel Theo mora nos Estados Unidos e fez questão de vir participar do festival.
Chico César adaptou o refrão do nosso Hino da Independência e mereceu a imediata aprovação do público. “Ou ficar o Lula Livre ou morrer pelo Brasil” cantavam todos a plenos pulmões. Assim como um sucesso dos anos noventa de Odair José, Vou tirar você desse lugar, se ajustou como uma luva à proposta da noite e também recebeu coro irretocável.
Beth Carvalho, com fina ironia, observou que Brizola estaria muito feliz vendo a esquerda ali reunida. A música Vou festejar parecia escolhida a dedo. Misturados no mesmo espaço, parlamentares do PT, como o deputado federal Lindberg Farias e o vereador Reimont; PCdoB, com a deputada federal Jandira Feghali; e PSOL, com o deputado federal Chico Alencar, deputado estadual Marcelo Freixo e o candidato do partido à Presidência Guilherme Boulos. Para Boulos, “é preciso ter Lula Livre pela democracia brasileira”.
Antes que Chico e Gil entrassem para o momento final tão aguardado, Leonardo Boff, de estola vermelha com dizeres Lula Livre em branco, declarou com forte emoção: “Quero ver Lula de novo governando esta nação. Quero ver um povo organizado em redes e movimentos sociais para mudar seu próprio destino”.
Serviu como uma espécie de senha para Chico Buarque, acompanhado de milhares de vozes, cantar: “Deixa em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa, e qualquer desatenção, faça não, pode ser a gota d´água”. Em seguida, foi a vez de As caravanas, de seu último CD, a que diz a frase perfeita: “Filha do medo, a raiva é mãe da covardia” e Deus lhe pague.
Gilberto Gil injetou ânimo lembrando que “andar com fé é bom, a fé não costuma falhar” e Maracatu atômico. Depois da emblemática Cálice, as duas figuras sagradas da MPB mandaram Aquele abraço para todas as torcidas da cidade que, mesmo apanhando tanto como agora, resiste e insiste em continuar linda, como provou a noite desse sábado.
E, para encerrar em alto astral, Beth Carvalho se juntou aos dois e propuseram Deixa a vida me levar, no mais puro estilo Zeca Pagodinho, que é a cara do Rio.
Na volta para casa, com as mãos desenhando um L, havia um só grito parado no ar: Lula Livre!