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Artigo: Polícia tomada de ódio

Entidades do movimento negro na sede nacional da PRF, em Brasília, em protesto para cobrar justiça por Genivaldo de Jesus, assassinado por asfixia numa abordagem em Umbaúba (SE) – Bruno Zaidan/Brasil de Fato


Jorge Folena*

Em maio de 2021 (ou seja, há aproximadamente um ano), a Polícia comandada pelo governador do Estado do Rio de Janeiro (cujo nome ninguém sabe nem de onde surgiu, sabendo-se apenas que é aliado de Jair Bolsonaro e que este é apoiado pelas “milícias” e muitos integrantes das forças policiais) desafiou o Supremo Tribunal Federal e a Constituição brasileira, ao invadir e promover matança generalizada na comunidade pobre do Jacarezinho, na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro.

Naquela oportunidade, morreram quase 30 pessoas, mas não houve consequências oficiais contra a violência estatal praticada com desrespeito total pela decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental número 635, que determinou que, durante o estado de pandemia da Covid-19 não ocorressem incursões policiais em comunidades do estado do Rio de Janeiro.

Cerca de um ano depois, em 24 de maio de 2022, uma ação policial semelhante à de 2021 matou mais de 25 pessoas na comunidade da Vila Cruzeiro, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, em operação que contou com a participação da Polícia Militar do Rio de Janeiro, da Polícia Federal e (pasmem!!) da Polícia Rodoviária Federal, cuja atribuição constitucional é “o patrulhamento ostensivo das rodovias federais”.

Esta mesma Polícia Rodoviária Federal, em 25 de maio de 2022, matou barbaramente, em Sergipe, Genivaldo Jesus dos Santos, asfixiado dentro da viatura da corporação, à vista de dezenas de pessoas e câmaras de celulares.

O que se viu no Jacarezinho, na Vila Cruzeiro e no assassinato covarde e com requintes de crueldade de Genivaldo faz parte da tragédia que se repete quase que diariamente no país, mediante cruéis e graves violações ao princípio fundamental do direito à vida, promovidas por agentes da segurança pública, que supostamente deveriam nos proteger.

É importante repetir que, em sociedades democráticas, a polícia não é constituída para matar, ou pelo menos não deveria ser. Polícia assassina é comum em regimes ditatoriais e autoritários, como os defendidos por Jair Bolsonaro. Sem dúvida, as ações descontroladas dessas polícias encontram amparo nos discursos de ódio promovidos pelo ocupante da cadeira da Presidência da República, que durante o seu mandato dedicou-se a atacar os serviços públicos em geral, mas não parou de contratar policiais e aumentar seus vencimentos e os dos militares, deixando as demais categorias à míngua.

No Brasil, as forças policiais estão costumeiramente a serviço de uma classe dominante perversa e covarde, que impede o estabelecimento de um mínimo de justiça social, mas incentiva suas tropas de choque a realizar justiçamentos e aplicar livremente a pena de morte, proibida pela Constituição, mas bem conhecida no dia a dia da população preta, indígena e pobre.

Foi o que vimos mais uma vez, nesta semana de maio, na atuação desses policiais que, de modo geral, sempre reprimiram e mataram sem pudor, mas nos últimos tempos vêm forçando todas as barreiras, pois têm no presidente um péssimo exemplo e encontram apoio e eco nos integrantes do seu governo.

Esse reforço oficial distorcido, que está na base de muitas ações policiais que torturam e exterminam pessoas em favelas e nas ruas do Brasil, como no assassinato covarde do jovem congolês Moïse Kabagambe num quiosque na Praia da Barra da Tijuca-RJ, expressa o que Jair Bolsonaro sempre defendeu: o ódio e o preconceito.

Os assassinatos do congolês e o de João Alberto Silveira Freitas, também espancado até a morte por seguranças do supermercado Carrefour, em Porto Alegre-RS, na véspera do Dia da Consciência Negra, em 2020, representam a visão de mundo do grupo que chegou ao poder no Brasil em 1º de janeiro de 2019, com o total apoio da classe dominante.

Quando o discurso oficial atua para promover a disseminação de mais ódio e serve de combustível e justificativa para o prosseguimento do extermínio de pessoas negras e pobres pelos aparelhos policiais do Estado, fica patente que algo maléfico e torpe corrói o país.

Assim, é dever de todos colaborar para retirar o país da maquiavélica armadilha em que foi lançado e encerrar quanto antes essa vergonhosa página da nossa história.

* Jorge Folena é advogado e cientista político, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da coordenação do SOS Brasil Soberano, movimento do Senge RJ