Há uma bolha energética no Brasil, com um volume excedente de energia que é produzido e cobrado nas contas de luz, mas não utilizado pelos consumidores. Quem alerta é o historiador Roberto Oliveira, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), entidade que tem lutado pelos direitos das famílias removidas de suas casas para construção de hidrelétricas, e também dos que sofreram perdas nos acidentes com barragens da Samarco, em Brumadinho, e da Vale, em Mariana, ambas cidades mineiras.
“Há um volume de sobra de energia instalada no sistema que, mesmo não consumido, está sendo remunerado e cobrado, especialmente nas contas de luz”, diz Roberto, que se especializou em questões relacionadas ao setor de energia. Segundo o dirigente, o consumo no sistema interligado está abaixo de 70 mil Megawatts/hora de energia média no ano, e com um excedente de 21 mil MW de energia, já instalados, em operação, além de 10 mil MW que serão disponibilizados até 2025. Soma-se a isso, ainda, a crescente geração distribuída, com mais de 5.500 MW instalados.
“Isso é a crise”, diz. “Não é uma crise porque está faltando energia; ao contrário.” No estado do Rio de Janeiro, onde operam a Light, na capital, e a Enel, em outros municípios, o MAB denunciou a existência de uma “sobra” em torno de 8% da energia produzida. As empresas não reduzem a produção, fechando um pouco as comportas das grandes barragens, porque o contrato garante a elas a venda de um volume pré-determinado, ainda que não haja consumo. “A maior parte é paga pelo Estado e pelas contas dos consumidores, como se estivesse sendo consumida. É uma farsa no setor”, explica Roberto.
O fundamento da ação política do MAB é a busca por mudança no modelo de construção das grandes obras do setor, que não prevê participação popular nem estabelece direitos claros e objetivos para as pessoas que perdem suas moradias, suas raízes e suas fontes de renda. “Não se tem nada pensado para os atingidos”, explica Roberto. Ele ressalta que isso não significa que a entidade é contra o desenvolvimento, mas sim contra o modelo adotado por esses empreendimentos. “Não dá para pensar em indústria, educação, ciência, pesquisa em energia…A nossa crítica não é quanto à necessidade, mas ao modelo.”
Ele observa que nem toda a região precisaria contar com barragens de grandes lagos, que poderiam ser substituídas por outras fontes, como os projetos de energia eólica, solar e de biocombustível. “Não se resolve o problema sem um Estado brasileiro com participação popular”, disse o coordenador do MAB. Nesse sentido, a entidade relacionou seis questões chaves que precisam ser enfrentadas para uma nova política energética.
- O controle das empresas do setor é privada, em especial de fundos internacionais, que pretendem ser donos da energia no Brasil.
- Hegemonia e lógica do capital financeiro.
- O regime tarifário ‘preço teto’. Ou seja, o preço internacional para balizar as tarifas da energia elétrica. “Enquanto, no Brasil, temos a produção majoritariamente de fonte hidráulica, ou 64%, que chegam a 70% se somadas as fontes renováveis, e que é a mais barata, temos a segunda energia cobrada mais cara do mundo, atrás da Alemanha”, aponta Roberto. “Porque a lógica tarifária de preço é a lógica internacionalizada. Estamos vendendo energia gerada a partir de água, ao mesmo preço da energia produzida na Europa a partir de petróleo, carvão, em usinas termelétricas.”
- Raiz desse cenário, o MAB destaca o uso da matriz de baixo custo para gerar lucro para grandes empresas.
- Defende, assim, a criação de leis e estruturas de Estado para acompanhar e gerir a água. “Temos vários órgãos no Brasil que lidam com a questão da energia – a Aneel, o ONS, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, a EPE, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o Gabinete de Acompanhamento das Condições do Sistema Integrado Nacional e o Ministério das Minas e Energia –, todos capturados pelo capital privado”, diz Roberto. “Não se pode admitir essa lógica num Estado democrático e soberano, que as empresas do capital financeiro internacional ponham a mão desse jeito nas estruturas do Estado.
- O fim do padrão de violação do direito dos atingidos e a intensificação da exploração do trabalho na área de energia.
“São questões que deveriam ser aprofundadas para a construção de um projeto alternativo de energia no Brasil, com participação forte do Estado e popular. Pelo menos em 30 anos de movimento nacional, pela experiência do MAB, isso não acontece”, afirma Roberto Oliveira.
> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)
> Assista na íntegra ao Soberania em Debate com Roberto Oliveira, da coordenação do MAB, entrevistado pelo cientista político Jorge Folena e pela jornalista Beth Costa, coordenadores do SOS Brasil Soberano