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Para professor que pesquisa o terrorismo, ligações de Heráclito Fortes reveladas pelo Wikileaks ameaçaram a soberania, não entrevista à TV

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“O Senado deveria estar mais preocupado com as comunicações extra-oficiais de seus parlamentares com potências estrangeiras, reveladas pelo Wikileaks, do que com uma entrevista jornalística dada publicamente a uma rede de TV, e que não representa rigorosamente nada em termos de ameaça à soberania nacional ”. A avaliação é do professor de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Francisco Teixeira, Prêmio Jabuti, ex-assessor de Estratégia do Ministério da Defesa, um dos organizadores do livro “Terrorismo na América do Sul” (ed. Multifoco), e que atualmente desenvolve a pesquisa Terrorismo Global e a Crise Mundial, com apoio do CNPq. Segundo ele, as conversas travadas em 2007 entre o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) e o então embaixador dos EUA , Clifford Sobel, reveladas em 2011 por Julian Assange, do Wikileaks, é que deveriam ter merecido a reação indignada que, agora, por ignorância ou intenção política, está sendo comandada pela senadora Ana Amélia (PP-RS) contra a entrevista da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) à rede de TV árabe Al Jazeera.

Sobel foi embaixador no Brasil entre 2006 e 2009. Reportagem de 2011 da Carta Capital conta que, nos primeiros nove meses no país, “abrilhantou tantas festas que o colunista Ancelmo Góis chegou a inventar uma expressão para se referir a eles [o embaixador mais a mulher]: Party Rice, ou arroz de festa”. Em 2007, dividiu com o senador Heráclito Fortes o camarote do então governador Sérgio Cabral (hoje preso por corrupção), durante o desfile das Escolas de Samba do Rio. Detalhes da "intimidade" entre o senador e o embaixador, na expressão do professor Francisco Teixeira, foram conhecidos quando o WikeLeaks vazou 250 mil documentos diplomáticos, dos quais quase 3 mil relacionados ao Brasil (63 despachos do departamento do Estado e 2919 telegramas enviados entre 2002 e 2010, da embaixada em Brasília e de consulados de São Paulo, Rio de Janeiro e Recife).

Nesta terça-feira (18), a senadora Ana Amélia afirmou que a entrevista à TV árabe de Glesi Hoffmann, denunciando a prisão inconstitucional do ex-presidente Lula, visava incentivar o terrorismo contra o Brasil. O pronunciamento gerou grande repercussão nas redes sociais. A hipótese de que a senadora do PP, também ela uma jornalista,  tenha confundido Al Jazeera com Al Qaeda provocou uma enxurrada de memes e piadas a ridicularizando. Nesta entrevista, Teixeira analisa o episódio, comparando-o com a surpreendente inação do Congresso no episódio dos vazamentos relacionados a Sobel e Heráclito Fortes, este último também investigado pela Operação Lava Jato, que atribui a ele o codinome Boca Mole na lista de doações ilegais da Odebrecht.

SOS Brasil Soberano – A entrevista da senadora Gleisi Hoffmann à rede de TV árabe Al Jazeera pode atrair ataques de grupos terroristas internacionais contra o Brasil?
Francisco Teixeira – Não. Há uma grande confusão neste caso entre uma agência de noticias e grupos terroristas. Todos os estudos que fazemos não localizam de forma nenhuma qualquer tipo de colaboração entre a Al Jazeera e qualquer das organizações terroristas conhecidas. É particularmente desprovida de fundamento essa preocupação com a Al Qaeda, porque a Al Jazeeria é crítica da Al Qaeda e do califado islâmico.

SOS Brasil Soberano – O que motivou essa associação, feita pela senadora Ana Amélia, entre terrorismo e uma rede de TV?
Francisco Teixeira – Considero duas possibilidades. Uma, a total ignorância sobre as questões relativas ao Oriente Médio e ao novo terrorismo global, que só é conhecido no Brasil por meio de agências de notícias norte-americanas ou europeias, com forte desvio etnocêntrico e, muitas vezes, islamofóbicos.

O outro motivo, no qual quero sinceramente não acreditar, é o uso político, para atingir a senadora Gleisi Hoffmann. Mas não quero acreditar que pessoas informadas misturem questões de segurança pública em nível internacional com luta partidária interna do Brasil.

SOS Brasil Soberano – Mas há no Senado uma discussão muito intensa sobre o tema.
Francisco Teixeira – O Senado deveria mesmo se preocupar com a intervenções externas, uma vez que uma pesquisa detalhada, como fizemos nos documentos publicados pelo Julian Assange e o Wikileaks, mostra que a própria Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado possui, durante sua história recentíssima, ligações indevidas com potências estrangeiras.

SOS Brasil Soberano – A que ligações você se refere?
Francisco Teixeira – Quando procuramos esses documentos, percebemos que, em 2007, quando o senador Heráclito Fortes presidia a Comissão, os debates e os temas fundamentais de relações exteriores eram comunicados com frequência à embaixada dos EUA. Telegramas do então embaixador Clifford Sobel mostram uma comunicação de extrema intimidade com o senador brasileiro. Há, inclusive, diálogos reproduzidos em inglês, tanto para CIA quanto para o Departamento de Estado norte-americano, classificando a situação brasileira como pré-revolucionária e descontrolada, a tal ponto, que o próprio senador aconselhava uma invasão do Brasil por tropas norte-americanas.

SOS Brasil Soberano – Por quê? O que estava acontecendo no país?
Francisco Teixeira – O senador estava particularmente preocupado com o MST e outras ONGs de movimentos de trabalhadores no campo. No Piauí, em particular, ele considerava o MST como um verdadeiro movimento inimigo, que deveria ser abatido militarmente.

SOS Brasil Soberano – Por forças estrangeiras?
Francisco Teixeira – Exatamente.

SOS Brasil Soberano – A intenção de pedir colaboração militar dos EUA era só para tratar uma questão nacional?
Francisco Teixeira – O senador fazia um aconselhamento também de que os EUA deveriam implementar ajuda militar ao Brasil para enfrentar a Venezuela e uma imaginária presença russa no Caribe.

SOS Brasil Soberano – Os interlocutores do governo dos EUA levaram essas ameaças a sério?
Francisco Teixeira – Bom, isso a gente teria que pesquisar nos arquivos norte-americanos. Mas parece que o senador ficou bem irritado durante a comunicação. Uma das frases reproduzidas em inglês pelo embaixador Sobel reproduz uma espécie de reação ou desabafo de Heráclito Fortes nos seguintes termos: “You are children?”. Ou seja, ele teria dito ao embaixador algo como “Vocês são crianças? Não entendem a gravidade da situação brasileira?.”

SOS Brasil Soberano – Qual a fonte desses telegramas?
Francisco Teixeira – Eles são parte dos lotes publicados pelo Wikileaks por meio da embaixada do Equador, em 2011. E não foram desmentidos pelo governo norte-americano.

SOS Brasil Soberano – O Senado deveria ter tomado alguma providência em relação a essas revelações?
Francisco Teixeira – O Senado ficou muito preocupado com a lista dos políticos subornados pela Odebrecht, na qual Heráclito foi chamado de Boca Mole. O fato de pedir invasão armada no Brasil nunca foi discutido.

Clique para ler reportagem sobre o vazamento do Wikileaks dos telegramas do senador Heráclito Fortes

Clique aqui para pesquisar Heráclito Fortes nos documentos do Wikileaks