Celso Amorim*
A execução da vereadora Marielle Franco está diretamente ligada à intervenção militar na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Pouco importa se os mandantes e os executores do bárbaro crime são membros da polícia militar ou das milícias ou uma combinação de ambas. As denúncias recentes da vereadora apontam, sem sombra de dúvida, para os integrantes do 41 batalhão da PM, que podem ter agido por conta própria ou em combinação com outras facções.
Em qualquer dos casos, a filosofia que inspirou a intervenção foi o que induziu ao assassinato de Marielle, seja por priorizar a repressão violenta nas comunidades pobres, seja por levar setores policiais ou das milícias ou do tráfico a colocar a autoridade interventora frente a um desafio aberto. Como no episódio do Riocentro, já lembrado por Tereza Cruvinel, entre outros comentaristas, a responsabilidade pelo crime recai sobre aqueles que escolheram a via da violência como meio de, supostamente, garantir a segurança da população.
A leviandade de uns, aliada à truculência e estreiteza de visão de outros, foi o que levou à escolha da intervenção militar federal no Rio para fazer face aos complexos problemas do Estado, deixando em segundo plano as ações econômicas, sociais e culturais, que poderiam contribuir para extirpar as raízes da criminalidade. Não por acaso, o alvo do crime foi uma mulher negra, oriunda das favelas cariocas, além de ser uma socióloga e uma lutadora pelos Direitos Humanos, principalmente os das camadas mais pobres e vulneráveis. A apuração do crime e a responsabilização dos culpados ficarão incomp
letas se não alcançarem também os autores do golpe de Estado, que roubou a legitimidade do processo político brasileiro e que agora ameaça conspurcar as eleições de 2018.
Mas há um desafio colocado também às forças progressistas, que não podem, sob o risco de perda absoluta de credibilidade, se deixar dominar por interesses eleitorais sectários. Este é um momento de união. União contra o golpe, união pela democracia, união por tudo que a Marielle representou. E essa união só será possível se os vários setores da esquerda fluminense, sob a inspiração das lideranças nacionais, souberem colocar os valores democráticos e de justiça acima de visões e interesses particularistas. Não é esta a hora de procurar ganhos eleitorais ou partidários.
Nesse contexto, mais importante que o lançamento de candidaturas é a abertura de um amplo debate entre as forças verdadeiramente democráticas e progressistas; um debate que permita definir um programa comum e a formação de uma frente única em defesa da democracia e da justiça social em nosso Estado e no País como um todo. A questão da figura que encarnará essa luta é secundária diante da tarefa principal da busca de unidade das forças progressistas do Rio de Janeiro.
* Celso Amorim é embaixador e ex-ministro da Defesa