O crescimento de 1% do PIB – após dois anos de queda –, anunciado nesta quinta-feira (1º) pelo IBGE, foi festejado pelo governo e ecoado por comentaristas da mídia como o fim da crise. Para o economista e professor da Universidade Federal Fluminense Victor Hugo Klagsbrun, contudo, o índice reflete a supersafra do setor agrícola, que cresceu 13%, o melhor desempenho da série histórica iniciada em 1996, e ainda não pode ser considerado um sinal consistente de recuperação econômica. Ele aponta, nesse sentido, o fraco desempenho da indústria de transformação durante o ano, o principal termômetro, na sua avaliação, para o comportamento da conjuntura. E os cortes de gastos públicos: de 0,6%, incluindo estados, municípios e governo federal. Sem o agronegócio, de acordo com o IBGE, o crescimento do PIB seria de 0,3%.
A indústria de transformação aumentou só nos dois últimos trimestres comparados aos mesmos períodos do ano anterior, uma base de comparação muito baixa: 2,4% no terceiro trimestre; e 6% no último (veja o gráfico abaixo). “Em termos de conjuntura, o que interessa é a indústria de transformação, integrada a setores de produtos intermediários e de matérias primas”, explica Klagsbrun. “Como a base estava muito deprimida, é cedo para dizer se esses números trazem uma retomada. É preciso ainda observar se a indústria vai ter novos resultados positivos.” A indústria, como um todo, não registrou crescimento no ano, e os serviços, de apenas 0,3%.
Segundo o economista, há uma tendência geral de recuperação inerente às crises do sistema capitalista. “O governo pode ajudar, gastando mais, ou atrapalhar, gastando menos.” No caso do Brasil, atrapalhou, cortando gastos – em todos os trimestres do ano –, puxando o PIB para baixo e tornando ainda mais lenta a retomada dos empregos – em geral, o último setor a sentir a melhora da atividade produtiva, quando ela se confirma.
A boa safra agrícola, que depende de condições climáticas, das exportações (para China e outros países), também foi responsável pela redução nos preços dos alimentos, o que explicaria a queda da inflação (mais até do que previsto na meta do governo, sinal de que o remédio foi mais forte do que o necessário) e um relativo efeito no consumo das famílias, que subiu 1%, movimentando ligeiramente o setor de serviços. Também permitiu ao governo repassar ao consumidor final os aumentos no preço petróleo sem impactar os índices. Mas trata-se de fenômeno sazonal, destaca o economista da UFF.
Bruma
A agricultura também é um segmento altamente automatizado. Para acelerar a retomada e reduzir o imenso contingente de desempregados é necessário, diz Klagsbrun, que os empresários tornem a investir na indústria. E isso, na opinião do professor, não vai ocorrer com base apenas no que o governo chama de “expectativa” ou “confiança”. “Isso é uma bruma”, diz. “O empresário precisa ver que há demanda, consumo, pessoas empregadas que justifiquem ligar as máquinas e ampliar a produção. O resto é psicologia”.
Em vez de reagir a “expectativas otimistas”, a orientação de cortar gastos no governo, engessado pela PEC que congelou os investimentos públicos por 20 anos (podendo apenas serem reajustados pela inflação do ano anterior) deve tornar mais lenta a retomada econômica. “O governo está fazendo o contrário do que fizeram países como a Alemanha ou os EUA para sair da crise”, observa. "Nos EUA, as empresas estão até precisando empregar de novo, com dificuldades de encontrar trabalhadores para expandir a produção, e cresce a preocupação diante da perspectiva de aumento dos salários; e na Alemanha foi absorvido um milhão de refugiados, e a indústria só fez elogiar o fato, pois há falta de trabalhadores em muitos ramos. Uma boa parte da formação bruta de capital fixo tem origem no governo, com obras públicas, que foram cortadas, e que se reflete na indústria de construção pesada.”
Em 2016 e 2015, o PIB caiu 3,5% em relação ao ano anterior. O que significa que o resultado de 2017 não repõe as perdas dos anos anteriores, retornando a economia ao nível de 2011. E é o terceiro ano seguido de queda nos gastos do governo. Pelo menos 12,7 milhões de brasileiros continuam desempregados, segundo dados do trimestre entre novembro de 2017 e janeiro de 2018. “A taxa de desocupação era de 12,6% no mesmo trimestre há 12 meses – um recuo pífio comparado à necessidade imediata da população”, escreveu em seu blog o jornalista Leonardo Sakamoto.
TRIMESTRE A TRIMESTRE