“Os partidos de oposição têm um grande desafio, neste momento em que a mídia tenta esconder as suas lideranças: apresentar um projeto de reconstrução nacional, falando do papel do Estado, do SUS, do investimento público”, defendeu o ex-senador Lindbergh Farias (PT-RJ). “É o grande desafio para o próximo período, fazer a campanha ‘Fora Bolsonaro’ e mostrar um projeto de reconstrução do Brasil.”
Jair Bolsonaro já cometeu vários crimes de responsabilidade; o que falta então para ele cair?, perguntou o historiador e cientista político Francisco Teixeira a Lindbergh e ao engenheiro e ex-deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), durante Soberania em Debate que abordou a construção de uma Frente Antifascista, realizado no último dia 29 de maio. A unidade das forças progressistas e democráticas, de um lado, e a popularidade do presidente continuar recuando, para o que são fundamentais as reações e manifestações populares pela democracia, ainda que com as limitações e os cuidados do isolamento social impostos pela crise sanitária, afirmaram
“A torcida corintiana [que foi às ruas enfrentar atos fascistas] tem muito a ensinar a esquerda brasileira”, disse Lindbergh. “Precisa surgir uma juventude mais preparada para as ações de rua. Quando sairmos dessa situação [da pandemia], temos que jogar todas as energias no movimento de rua. Ou a gente tira ele [Bolsonaro], ou ele vai tentar fechar de vez o regime deste país. Há pouco espaço de manobra. Não devemos ficar achando que vamos ganhar o processo eleitoral em 2022. Se não, vamos perder de vez.”
Estudos da Unicamp projetam mais de 23 milhões de desempregados em dezembro, no Brasil, alertou o ex-senador. E dados do Instituto de Economia da UFRJ, citados por Bittar, estimam uma queda de 6% a 7% no PIB este ano. “Acho difícil o governo Bolsonaro sobreviver numa situação como essa, com uma crise sanitária — o Brasil passando os EUA em número de mortos pela Covid-19 — e uma crise econômica violenta”, avaliou Lindbergh.
Para tornar o quadro ainda mais “explosivo”, apontou o ex-senador, temos no país os neoliberais mais radicais do mundo, querendo voltar às políticas fiscalistas. Se a popularidade de Bolsonaro — os que o consideram bom ou ótimo nas pesquisas e estão ainda na faixa dos 33%, conforme pesquisa Datafolha feita em 25 e 26 de maio — recuar a menos de 15%, o presidente cai, acredita Lindbergh. Por isso, destacou Bittar, a pauta econômica deve fazer parte do debate da Frente. “O que me parece fundamental na Frente Antifascista é que venha ao lado de uma discussão econômica e social”, afirmou. “O que temos defendido é o impeachment com realização de eleições.”
Bittar lembrou que já existe uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para assegurar que, afastado o presidente, ocorram novas eleições em prazo de seis meses. “A sociedade brasileira precisa se mobilizar nesse sentido, de renovar as nossas lideranças.” A saída de Bolsonaro, de acordo com os dois debatedores, poderia acontecer pela cassação da chapa presidencial, condenada por disseminar fakenews, por decisão do Congresso, ou em outro dos inquéritos no STF que o envolvem de alguma forma. Esse processo, contudo, alertou Lindbergh, não será sem tensões. “Ou fazemos um movimento forte para ele cair, ou ele pode dar um golpe.”
O ex-senador petista destacou a nota divulgada pelo general Augusto Heleno, ministro-chefe da Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, ameaçando descumprir ordem do STF, caso os celulares do presidente da República fossem requisitados judicialmente. “[A nota] foi assinada com apoio do Bolsonaro e do Estado Maior das Forças Armadas. Vimos o Eduardo Bolsonaro, depois da operação da Polícia Federal determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, em cima do gabinete do ódio, dizer que ‘não é questão de se, mas quando’. Estão ameaçando com aprofundamento do golpe. O próprio Bolsonaro, ao se referir à operação da PF, foi para cima do Supremo e soltou um palavrão. Há uma escalada aqui.”
Para Lindbergh, Bolsonaro, ao lado do general Heleno — “da turma do Silvio Frota” [militar linha-dura que opunha-se ao projeto de abertura gradual de Geisel] –, sempre quis dar um golpe, importa saber é se tem ou não condições para isso. As falas radicalizadas, na sua opinião, têm também um natureza de “desespero”. “A situação é diferente da do golpe de 1964”, comparou o ex-senador. “E talvez Bolsonaro tenha perdido o ‘timing’. Em 64, o presidente do Congresso declarou vaga a Presidência, quando João Goulart ainda estava no Brasil; no dia 2 de abril, os jornais saíram com ‘vitória da democracia’ na capa; e os governadores do Rio, Carlos Lacerda, de São Paulo, Adhemar de Barros, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, apoiavam o golpe. Bolsonaro hoje está muito isolado institucionalmente. Não sei se ele consegue — tem uma coesão de lideranças militares em torno dele, mas tem um problema de isolamento institucional e de perda de popularidade.”
No Rio de Janeiro, Bittar observa que todas as investigações políticas relevantes, como o assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, o papel das milícias, etc., acabam chegando perto de Bolsonaro e de seus filhos. “E ele não nega.” Ao assumir o controle da Polícia Federal, tudo indica, avalia o engenheiro, que vai blindar práticas violentas. “Bolsonaro substituiu dezenas de cargos na PFs em todo o Brasil. Está construindo uma polícia política para dar conta de seus desenhos de práticas fascistas. Isso é muito preocupante, em relação ao que acontece no Brasil e particularmente no Rio de Janeiro. Mais do que nunca, é importante a união das forças progressistas, para que a gente possa recompor o caminho da democracia e da justiça social.”
Para o historiador e cientista político Francisco Teixeira, que mediou o debate, o Brasil vive a crise definitiva da República Nova. “Se conseguirmos ultrapassar essa crise, a República está consolidada. Se não, será um momento em que a República sucumbirá e se transformará em alguma coisa diferente daquilo para que foi pensada e montada na sua origem, principalmente pelo querido fundador Ulysses Guimarães. As FFAA hoje estão unificadas em torno do presidente Bolsonaro. Ele avançou tanto na sua plataforma extremista, que se pensa nas FFAA que a alternativa a ele seria muito à esquerda. Esse é o grande temor.”
A questão econômica
Um componente chave da crise e do projeto bolsonarista, e “não visível a olho nu”, disse Bittar, é o papel do que ele chama “Estado profundo” norte-americano. “Não é o Bannon [Steve Bannon, estrategista político e de mídia de Trump], mentor do Bolsonaro e de sua família, mas um conjunto de forças econômicas. A espionagem no gabinete de Dilma, na Petrobras e em outros setores da administração pública, pela NSA [Agência de Segurança Nacional dos EUA]… Houve todo um processo de desmonte da democracia brasileira, para favorecer a venda dos ativos da Petrobras, campos petrolíferos, etc.”
Ou seja, resumiu Bittar, o golpe trouxe atrás de si interesses do mercado financeiro e norte-americanos, “um retorno do país ao lugar de quintal na América do Sul”. Enquanto isso, o resto do mundo resgata o papel do Estado para reduzir o sofrimento das populações na crise global da Covid-19. “O Guedes [ministro da Economia, Paulo Guedes] abriu exceção para gastar mais agora, no auge da pandemia, ainda que de maneira muito insuficiente, para dar conta da gravidade da crise econômica e social. Mas quer retornar ao modelo em que o mercado lidere o processo de investimento”, criticou o engenheiro. “Nem mesmo os mais liberais, desde que sejam estudiosos sérios, deixam de reconhecer que, dado o contexto, dificilmente os empresários brasileiros vão botar seu dinheirinho na frente para impulsionar a economia. Aliás, o mundo inteiro faz essa discussão. O Financial TImes, em editorial, pediu um novo pacto social, reconhecendo que presença do Estado é importante. O presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que a economia liberal é insustentável, fez autocrítica e está favorável à ação mais vigorosa do Estado.“
Por isso, a unidade pela democracia, para Bittar, precisa de um alinhamento de agenda econômica. “Aqueles que defendem Frente Ampla e querem trocar o presidente da República, aceitando até o vice (general Hamilton Mourão) e essa política econômica que favorece só o andar de cima, mostram uma incoerência muito grande”, criticou. Apesar disso, ele aposta na viabilidade da frente. “Eu acredito na possibilidade de união das forças progressistas, democráticas, na rejeição ao entreguismo e à abdicação da soberania nacional.”
Confira o Soberania em Debate com Lindbergh Farias e Jorge Bittar na íntegra:
> O Movimento SOS Brasil Soberano é uma realização do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). Por meio de eventos, debates e produção de conteúdos temáticos, tem o objetivo de recolher subsídios para colaborar na construção de um projeto de desenvolvimento nacional com empregos, soberania e justiça social.