Marcos Verlaine*
A MP 927/20 precisa ser ‘devolvida’ pelo presidente do Congresso, porque não cumpriu seu propósito, que seria apresentar ou oferecer políticas públicas para minimizar os destrutivos efeitos econômicos e sociais da pandemia do coronavírus (Covid-19), a fim de salvar o emprego, a renda dos trabalhadores, para manter o fluxo da economia, e as empresas.
Não há nenhum ponto na MP que salve o emprego e a renda dos trabalhadores, pelo contrário. A MP foi elaborada sob a encomenda dos grandes empresários para salvar as empresas sob a lógica oportunista da precarização das relações de trabalho, com retirada de direitos. É a mesma lógica da Terceirização geral, da Reforma Trabalhista, da Lei da “Liberdade Econômica”, da Reforma da Previdência e da MP da Carteira Verde e Amarela, aprovada na comissão mista e pronta para votação no plenário da Câmara.
Ao mesmo tempo em que o Congresso liberal-conservador permitiu, com a anuência do governo, que “caducasse” a MP 898/19, cujo substitutivo do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) tornava permanente o 13º salário dos beneficiários do Bolsa Família e também aos do BPC (Benefício de Prestação Continuada).
O artigo 18, aquele que suspendia por 4 meses o salário do trabalhador, foi colocado no texto da MP como o “bode na sala” a ser removido. Tanto é verdade que o presidente o fez com relativa facilidade ou sem relutância. Mas o problema central permanece, que é o fato de a MP, como um todo, ser precarizante e ir de encontro ao que deveria ser — contracíclica —, como todos os países estão fazendo.
A MP atende apenas e tão somente às demandas do mercado, que visa apenas e tão somente proteger os negócios e o lucro ou no mínimo recuperar o que foi investido, em detrimento da manutenção do emprego e da renda dos trabalhadores. E o governo ultraliberal concorda com essa lógica, mesmo havendo alternativas a essa imposição do mercado.
Nem sequer cogita a revogação da EC 95/16, do Teto de Gastos, ou o uso dos recursos das reservas cambiais, com US$ 352 bilhões, ou dispor ainda de recursos da Conta Única do Tesouro, com algo em torno de R$ 1 trilhão ou 15,9% do PIB, segundo a ONG Auditoria Cidadã da Dívida.
A MP 927 é precarizante porque se fundamenta na retirada de direitos, que se sustenta em 3 premissas ou pilares em que isto fica bastante evidente no texto:
1) não propôs nenhuma compensação ao trabalhador/a diante da possibilidade de ficar sem salário, em razão do desemprego, ou de ter o salário e a jornada reduzidos;
2) deixa ou entrega o assalariado formal à própria sorte, tendo como justificativa a crise econômica, que a pandemia do coronavírus acarreta e, tampouco, propôs algo palpável para os quase 40 milhões de trabalhadores informais; e
3) agora inverte a negociação trabalhista, de coletiva para individual, sem mediação sindical. Isto é um absurdo absoluto!
Enfim, determinou perdas aos trabalhadores, sem nada a oferecer-lhes como compensação; entregou a classe trabalhadora à própria sorte, porque permite acordos individuais num quadro de grande fragilidade do/a trabalhadora; e retirou o sindicato do processo negocial, que é a única instituição que o defende na condição de trabalhador/a formalizada.
Nesse quadro caótico como o ora apresentado, qual a força do/a trabalhadora, sem a representação sindical, para negociar com o patrão/empresa seus direitos? Sem contar o oportunismo do governo e dos empresários que se aproveitam da crise aguda para precarizar ainda mais o trabalho, retirar direitos e enfraquecer ainda mais o sindicato.
* Marcos Verlaine é jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap