Ednubia Ghisi (Senge-PR)*
Entre 2002 e 2013, a presença de engenheiras nos canteiros de obra cresceu 149,3%, enquanto o aumento para engenheiros foi de 54,7%, somando ocupações formais e informais. Mesmo assim, os homens continuam sendo maioria no ramo: em números gerais, cerca de 230 mil engenheiros civis estavam ocupados, sendo 190 mil homens e apenas 40 mil mulheres, de acordo com dados da PNAD/IBGE de 2015. Apesar do crescimento da atuação das mulheres neste ambiente, as práticas de machismo persistem. Falta de banheiro feminino, desvalorização profissional e naturalização do assédio moral são algumas das dificuldades enfrentadas pelas engenheiras em canteiros de obras.
Uma pesquisa elaborada pela socióloga Maria Rosa Lombardi, da Fundação Carlos Chagas, estudou relação entre engenharia, trabalho e relações de gênero na construção de habitações em duas construtoras de habitações de médio porte no estado de São Paulo. O estudo foi apresentado a uma plateia de 300 participantes do 11º Congresso Nacional de Sindicatos de Engenheiros (Consenge), realizado em Curitiba de 6 a 9 de setembro.
A partir de 68 entrevistas, a pesquisadora conheceu a fundo a realidade de engenheiras e engenheiros que trabalhavam em outras construtoras e gerenciadoras de obras, integrantes de sindicatos patronais, associação de fornecedores de materiais.
Maria Rosa Lombardi identificou quatro desafios principais enfrentados pelas engenheiras. O primeiro deles é lidar com a constante desconfiança sobre a sua capacidade intelectual e competência técnica. “A inteligência das profissionais é colocada sob suspeita e se apoia em uma concepção de inferioridade feminina”, explica a pesquisadora.
Frente a isso, as engenheiras são levadas a “se impor”, “ser firmes” e a “ter coragem”, conforme explicitado nas entrevistas. “[…] vai tentar te diminuir para dizer que você é menos, que você não sabe [alguma coisa] porque é mulher, só por conta disso. Você pode saber mais do que ele, mas ele vai tentar provar que ele é melhor porque é homem e você, mulher”, disse uma das engenheiras entrevistadas pela pesquisadora.
Outro desafio diz respeito ao descrédito sobre a habilidade para comandar equipes. “É a concepção de que ‘mulheres não foram feitas para mandar’, ‘não sabem dirigir’, que existe em toda a sociedade e se transforma em justificativa para dificultar ou impedir o acesso das mulheres a postos de poder e autoridade”, afirma a pesquisadora.
Assim como em outras relações de trabalho, a questão da maternidade é encarada com um ponto negativo na atuação das engenheiras civis atuantes nos canteiros de obra. “Houve o relato de uma engenheira que teve filho, ficou um mês de licença, e depois voltou ao trabalho, fazendo um esforço de se desdobrar para conseguir tempo para amamentar, mas foi demitida seis meses depois, porque o chefe disse que era não era mais a mesma”, diz a pesquisadora. Como reação a essa realidade, ela aponta que as mulheres trabalham mais do que os homens e estão sempre disponíveis.
O quarto desafio está relacionado à naturalização do assédio moral, apoiado na discriminação de gênero e, em síntese, de que as engenheiras são menos inteligentes e competentes que engenheiros. “A banalização ou naturalização do assédio moral acontece porque os engenheiros e engenheiras de obra acreditam que o tratamento rude e desrespeitoso que recebem, as violências no trabalho, as críticas e desqualificações constantes, são ‘assim mesmo’”, explica.
Impacto da tecnologia
Segundo a pesquisadora, o aumento do espaço para as engenheiras nos últimos 15 anos se dá pelo aumento da demanda por mão de obra qualificada em engenharia durante o último ciclo de expansão da construção vivido no Brasil. Além disso, outra mudança é a introdução de inovações tecnológicas na produção e o aprofundamento da utilização da informática. “O trabalho ficou mais leve e gerou um volume de informações e rotinas que passam a ser geridos na administração dos canteiros e nos escritórios”, explica a Maria Rosa Lombardi.
Congresso de engenheiros
O 11º Consenge ocorreu em Curitiba, com cerca de 300 participantes. O evento foi realizado pela Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge), que tem sede no Rio de Janeiro, e pelo Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR). Ao longo dos quatro dias, filiados aos 12 sindicatos que compõem a Federação, oriundos de todas as regiões do Brasil, tiveram como debate central a defesa da engenharia e da soberania nacional.
* Edição: Camila Marins (Fisenge)