SOBERANIA EM DEBATE

Quinta-feira, às 16h

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A Esquerda e a Democracia: hoje e em 2018

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Pedro Muñoz*

Em março de 2015, observamos que a classe média e uma parte da população pobre replicava o vocabulário da direita e da elite branca, na defesa do impeachment de Dilma, consumado no golpe parlamentar de 31 de agosto de 2016. Em recente entrevista à Carta Capital, Vladimir Safatle lembrou que a direita brasileira sempre foi capaz de levar o povo para a rua e que junho de 2013 foi uma oportunidade perdida pela esquerda.

Safatle acrescenta que o vocabulário da direita sempre teve facilidade de atingir a classe média e uma parcela das classes populares. Hoje vemos os ex-eleitores do PT, inclusive os beneficiários das políticas sociais, clamarem por Jair Bolsonaro. A linguagem do populismo de direita parece penetrar com facilidade na opinião de tais classes. Além disso, empurra-se para a direita um eleitorado que não necessariamente é de direita (como os evangélicos).

Por outro lado, deve-se considerar que a descrença na esquerda faz parte de um fenômeno internacional que recentemente atingiu a América Latina. Culpam-se as escolhas do PT e de Dilma, como também a Lava-Jato para explicar a derrocada. Há, porém, uma guerra travada nos ciberespaços e pela mídia oligopolista. É uma guerra da informação, da comunicação e da linguagem.Parece haver também um esgarçamento das linguagens tradicionais da esquerda e de sua capacidade de mobilização do povo. Há que se fazer uma profunda reflexão sobre todos esses fenômenos, mas, sobretudo, acerca da questão da linguagem e do discurso, para que se amplie a nossa capacidade comunicativa. Talvez o exemplo mais expressivo seja o PSOL e a derrota de Freixo nas últimas eleições municipais. Freixo teve grande parte dos votos concentrados na Zona Sul do Rio de Janeiro. Na Zona Oeste e nos bairros pobres, ele teve uma expressiva derrota. Freixo parece se comunicar bem como os universitários, por exemplo, mas sua linguagem parece incompreensível para o povão.

Ciro Gomes tem razão quando diz que parte do eleitorado de Bolsonaro (de direita radical) migrou do PSDB. Ele afirma ainda que esse fenômeno pode ser favorável à esquerda. É necessário, no entanto, que haja um candidato de esquerda com chances reais, principalmente se confirmada a hipótese da ausência de Lula. Porém, o crescimento de Bolsonaro pode descortinar uma tragédia ainda maior do que a crise geral que estamos vivenciando no Brasil. A eleição de Trump nos EUA é um bom exemplo. No início era motivos de piadas, como agora vem sendo a candidatura da AFD, na Alemanha. Há que se levar a sério o risco que representam a AFD e Bolsonaro, antes que um novo fenômeno Trump se torne irreversível.

A candidatura de Lula, ou sua ausência, aponta para um problema que atinge a esquerda: a baixa renovação dos quadros e o personalismo. Paralelamente, há que se questionar também as escolhas do PT. Em primeiro lugar, por ter se associado com a ala de Cunha e Temer do PMDB, ao invés de fortalecer uma aliança de esquerda, visando a renovação dos quadros. Em segundo lugar, por depositar na eleição majoritária presidencial a chance de salvação do partido. Se Fernando Haddad não for lançado na mesma chapa que Ciro Gomes, aumentam as chances do PSDB ou de um segundo turno entre Bolsonaro e Marina Silva. Basta ver os resultados do cenário 4 da última pesquisa Datafolha. Nela, Marina aparece com 25% dos votos, Bolsonaro com 14%, Ciro com 12% e Dória com 11%. Acrescenta-se ainda que Dória venceu Haddad na última eleição municipal de São Paulo.

Se houver eleição em 2018 (Vladimir Safatle acredita que não vai haver), ela será uma guerra. Precisamos estar vigilantes e preparados para responder ao consórcio golpista, pois quem está no poder fará de tudo para permanecer lá. Sabemos que a política é a guerra continuada por outros meios. Espera-se que essa guerra seja travada na política. Só a política e a democracia podem solucionar a crise institucional.

Porém, o cenário atual nos apresenta novos fenômenos alarmantes. Nos últimos meses, assistimos a uma escalada ain

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da maior da crise. Não há harmonia entre os poderes. Nem o STF escapa do fogo cruzado. Nesta semana, o ministro Marco Aurélio nos mostrou o tamanho da erosão da suprema corte, quando disse que Gilmar Mendes passou de todos os limites. A PGR está sendo fortemente questionada, assim como os três Poderes. A magistratura, com seus super-salários, expõe a continuidade dos privilégios no interior do Estado e a contradições da austeridade de Henrique Meirelles. Por fim, não nos esqueçamos de que a crise institucional brasileira é resultado também de interesses estrangeiros ou da chamada Guerra Híbrida, segundo afirmou Francisco Carlos Teixeira.

Se houver vitória da esquerda em 2018, a batalha principal deve ser pela revolução democrática defendida por Boaventura de Souza Santos. O enfrentamento do capital global neoliberal desdemocratizante deve ser feito através de um projeto nacional de desenvolvimento (como propõe Bresser-Pereira no Manifesto Projeto Brasil Nação), levando em conta o fortalecimento do Mercosul e dos BRICS, bem como as relações Sul-Sul, incluindo a África.Na campanha de 2018, há que se explicar tudo isso ao povo. Mostrar que não há outra saída para que o Brasil mantenha a sua soberania e tenha um crescimento econômico com equidade. A crise geral do Brasil de 2013-2018 é uma janela de oportunidade para mudanças profundas e cabe à esquerda realizà-las. Enquanto isso, há que se resistir ao golpe para garantir, inclusive, que haja democracia e 2018.

* Doutor em História das Ciências (FIOCRUZ/Freie Universität Berlin) e professor do Departamento de História da PUC-Rio