SOBERANIA EM DEBATE

Quinta-feira, às 16h

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Artigo: Soberania no colo do povo

Nos dias 4 e 5 de setembro, haverá ato unificado pela soberania popular em Brasília – Foto: Levante/divulgação

Olívia Carolino Pires*

A soberania é uma das principais bandeiras na luta de classes no Brasil hoje. Para entender essa centralidade, é preciso ter claro que o principal problema é a atual crise profunda e estrutural do capitalismo. No entanto, um bombardeio de notícias confundem as pessoas ao apresentar discursos de grupos conservadores da sociedade, fazendo com que as pessoas assistam ‘baratinadas’ ao desmonte da nação.

Este artigo é um convite a uma reflexão sobre o principal problema: a crise. O capitalismo mundial não apresenta saída para sua própria crise. É uma crise de padrão de acumulação do modo de produção capitalista, intensificada após 2008, com a ofensiva neoliberal e seu caráter predatório das riquezas nacionais e na exploração da força de trabalho.

Está cada vez mais claro o papel da inteligência internacional em golpes cujo finalidade é a rapinagem dos Estados. E essa ação internacional encontra nas burguesias locais seus interlocutores, representantes e subordinados.

A América Latina e o Brasil são estratégicos para essa agenda de privatização, que representa uma ofensiva do capital sobre recursos naturais estratégicos, empresas estatais, fundos públicos e sobre os direitos conquistados historicamente pela classe trabalhadora.

Em outras crises estruturais do capital, como no período entre guerras (1929), diante de uma situação adversa no cenário internacional, países subdesenvolvidos como Brasil, Argentina e México encontraram a oportunidade desenvolver um processo de industrialização dependente por meio do processo de substituição de importações. Na crise atual, esses países passam pelo inverso, um intenso processo de desindustrialização.

Para compreender esse movimento, é oportuno perceber que se trata de uma ofensiva do imperialismo. É fundamental o estudo rigoroso da teoria marxista para compreender a lógica de reprodução do capital nesta fase de dominância financeira, que transforma as relações de produção e está mundialmente em ofensiva para adequar as instituições políticas e os Estados Nacionais às suas necessidades de acumulação.

As exigências de acumulação capitalista financeirizada têm se mostrado incompatíveis com a democracia liberal burguesa, mesmo nos países centrais. Essa contradição deflagrou a ofensiva mundial de forças conservadoras, autoritárias, intolerantes, de extrema-direita e de eliminação, que dentre outras consequências, tem agravado a situação de um contingente imenso de migrantes e refugiados.

A defesa da soberania é fundamental num momento que há uma guerra travada contra os povos.

Um dos centros de gravidade da guerra é a luta contra os povos. Podemos caracterizar, inspirados em Ana Esther Cecenã, como uma Guerra Assimétrica que tem de um lado, um Estado com capacidade bélica e inteligência de guerra em confronto assimétrico de forças com organizações comunitárias e populares, atuando com lutas – formação – organização e uma diversidade de atores mulheres, índios, negros, população LGBT. Esse movimento dos povos em luta contra os efeitos do neoliberalismo os tornam combatentes anti-imperialistas.

Outro polo de gravidade da guerra é a disputa de hegemonia. A hegemonia dos EUA supõe universalização de sua visão de mundo e isso vem mudando com a presença da Rússia e China no campo da tecnologia. A derrota dos EUA no Vietnã mostrou que a resistência dos povos, a cultura, impôs derrota a tecnologia de guerra, mostrando que para exercer a dominação não é suficiente o terreno econômico, diplomático, militar, mas é necessário exercer a dominação também no campo cultural e dos valores.

É assim que o pentágono desenvolve nos anos 90 a doutrina de dominação para América, buscando ter capacidade total de controle e de eliminar pontos de vulnerabilidade. A chamada Doutrina de Dominação de Espectro Completo abarca o controle das emoções, desejos, linguagem, cultura, mercado, todas as esferas de reprodução e organização da vida para dominar corações e mentes e adequá-los às normas do capital.

A dominação não é apenas externa, mas vem de dentro, e os métodos de guerra são uma combinação para provocar caos, com um centro de difusão imperialista.

Debaixo de todas as nações em guerra tem petróleo ou algum recurso estratégico. Uma vez eleitos governos aliados, os riscos à soberania nacional se traduzem numa estratégia governamental de privatização de empresas públicas, de mercantilização de serviços públicos (educação, saúde e seguridade) e de entrega de riquezas naturais, em especial, os minérios, o petróleo, o bioma amazônico, a água e territórios aos interesses de países ou corporações estrangeiras.

Os impactos da crise no Brasil, revelou a impossibilidade histórica e o esgotamento do ensaio desenvolvimentista, como um modelo econômico baseado no crescimento com alguma distribuição de renda, que não rompe com o neoliberalismo e não criou condições para reformas estruturais.

O autoritarismo é necessário à ofensiva neoliberal, de modo que o governo Bolsonaro pode ser caracterizado como um governo autoritário que busca construir um processo de fascistização da sociedade e suas instituições.

Chamamos a atenção para faces de uma mesma moeda: por um lado, o alinhamento diplomático e militar do Brasil aos EUA fundamentado por uma análise de guerra ocidente versus oriente. De outro, a doutrina econômica da austeridade – crença do ajuste para crescer – fundamentada na análise da crise restrita a questão de orçamento. E ainda a dimensão da judicialização da política que contribui com a ofensiva em constitucionalizar a austeridade econômica e criminalizar quem faz política.

Esses atores políticos têm como característica em comum o compromisso com suas respectivas corporações em detrimento a um compromisso com o país. O perfil “heróis avessos à política” aproxima parcela do judiciário, como os juízes da Lava Jato, uma nova geração de militares e os economistas liberais.

Essa unidade da direita vazia de preocupação com um projeto nacional coloca o tema da soberania no colo da esquerda.

Esses atores da direita centrados em interesses corporativos e na negação da política surfam no esgotamento das instituições democráticas e constrói um inimigo interno à luz do inimigo externo. Os militantes passam a ser identificados como terroristas ou como uma caricatura de comunistas.

Diante do desmonte da nação, os povos latino-americanos têm um patrimônio teórico e de prática marxista forjado nas lutas por libertação nacional, capaz de fazer a síntese necessária entre a bandeira vermelha e a verde e amarela.

O leito histórico revolucionário latino-americano mostrou a partir da revolução cubana que não se separa anti-imperialismo, socialismo e democracia. Na história dos povos há uma luta constante por democracia e justiça social. Assim também é a luta do povo brasileiro para entrar na história da construção nacional, dada a deformação do Estado Nação, que se origina nos movimentos de independência em que o povo não participou.

Nesse sentido, temos um defeito de nascença em nossa formação nacional que é o vazio da questão nacional na constituição do Estado. As massas populares despossuídas foram amputadas pela opressão e exploração próprias da expansão capitalista.

A Venezuela hoje é um desdobramento desse processo e uma inspiração para os povos latino-americanos entrarem na história de construção nacional e exercer soberania. A experiência de organização popular faz com que, nos dias atuais, esse seja o processo mais avançado na resistência a ofensiva neoliberal e imperialista.

No Brasil, a direita disputa a bandeira nacional. É necessário arrancá-la das garras das mãos entreguistas e corporativistas e afirmá-la nas mãos do povo, único lugar que ela tem possibilidade de se realizar, enquanto Estado – Nação democrático, com justiça social e soberania.

É necessário reconhecer que sofremos uma derrota ideológica profunda, uma derrota estratégica, e nossos meios de travar a luta são assimétricos, mas temos a nosso favor a convicção de que um Projeto Popular para o Brasil é a única saída viável para crise.

A resistência radical ao imperialismo exige ir à raiz da formação social e econômica, e afirmarmos um caminho radical para romper a dominação de coração e mentes, por meio do trabalho de base vinculado a um projeto político que coloque o povo em movimento como protagonista.

Convocamos a militância a se engajar na luta por soberania e a participar, nos dias 4 e 5 de setembro, do Seminário pela Soberania Nacional e Popular, que acontecerá no Auditório Nereu Ramos da Câmara dos/as Deputados/as, em Brasília, com o tema “O Brasil é nosso: contra as privatizações, em defesa do emprego e de nosso futuro”.

*Olívia Carolino Pires é militante da Consulta Popular.

Fonte: Brasil de Fato/edição: Elis Almeida

SAIBA MAIS SOBRE A PLENÁRIA NACIONAL SOBRE SOBERANIA POPULAR:
http://sosbrasilsoberano.org.br/plenaria-nacional-reune-movimentos-populares-em-defesa-da-soberania-do-pais/