A Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro, e o Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro e região (Sinpro-RJ) divulgaram notas de protesto contra a violenta repressão comandada pela Polícia Militar, que interrompeu ontem (28), no Centro da capital carioca, as manifestações populares de apoio à greve geral e contra as reformas trabalhista e da Previdência propostas pelo governo. A greve teve alcance nacional, a maior já realizada no país. E a truculência policial foi documentada em muitas outras cidades, como Goiânia, onde um estudante está internado em estado grave por ter sido atacado na cabeça por um PM. O Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino “condenou a escalada da violência e criminalização dos movimentos sociais”, em nota divulgada neste sábado (29).
Para o deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ), ele próprio ferido por um bala de borracha disparada pela PM na Cinelândia, é necessário articular os movimentos, inclusive os que soltaram nota pública, para fazer uma súmula unificada, uma ação conjunta de denúncia da repressão, para pressionar o poder estadual e o governo federal. E intensificar a mobilização.
Para o Dia do Trabalho, 1º de maio, nesta segunda-feira, está marcado um grande ato de protesto contra as reformas e a repressão, na Cinelândia, a partir das 11h, organizado por centrais sindicais e movimentos sociais. A CUT Rio está buscando uma audiência com a Secretaria de Segurança do Estado do Rio e com o comando da Polícia Militar para discutir providências contra os abusos cometidos no dia 28. O Ministério Público também informou que vai investigar "episódios de violência", tanto de policiais, quanto de depredações.
“A partir da segunda-feira, acho que devemos buscar uma articulação mais ampla”, propõe Glauber Braga. “É preciso fazer a denúncia nacional e internacional do que está acontecendo. Depois, a articulação entre todos os movimentos que já se posicionaram a favor da manifestação política pacífica pelo país, para que a violência não venha a se repetir como regra de um governo ilegítimo, de um programa ilegítimo, que amplia brutalmente a repressão contra qualquer ato de resistência.”
O deputado foi atingido na perna por um bala de borracha quando o ato chegou à Cinelândia, após ter presenciado o início do bombardeio gratuito em frente ao prédio da Assembleia Legislativa (Alerj). “Dei uma passada na Alerj para dar um abraço no pessoal que estava na banquinha recolhendo assinaturas contra a reforma da Previdência”, contou. “Uma pessoa pediu para tirar uma fotografia. Nesse momento, começaram a lançar bombas contra todas as pessoas que estavam na manifestação, de maneira pacífica. Bombas foram jogadas a esmo, contra as pessoas, e aí virou uma situação de pânico”, descreveu, em vídeo publicado no Facebook.
Na sequência, Glauber Braga se encaminhou para a Cinelândia, onde vários parlamentares iriam discursar no palco armado para o ato. Foi quando falava a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) que as bombas da PM começaram a atingir o próprio palanque. “Quando a deputada estava usando o microfone, fazendo apelos também para que não houvesse agressão contra os manifestantes, começaram a atirar bombas de novo, contra o conjunto da manifestação; não foi contra algumas pessoas que reagiram ou que tiveram algum tipo de comportamento ou ação de confronto contra a polícia – e nada justificaria a ação truculenta, o terrorismo de Estado. Não. Jogaram bombas contra todos. Bombas dirigidas inclusive ao palco.” A partir daí, ele relata que a praça foi, primeiro, esvaziada; depois, encheu-se novamente, com o retorno “heroico” dos manifestantes e o reinício dos discursos.
“Logo depois que falei, esperei algumas pessoas fazerem seu pronunciamento e desci para ouvir e conversar com as pessoas”, lembra. Nesse momento, um novo ataque foi lançado sobre os manifestantes que olhavam para cima do palco, com corre-corre e pânico. “Eu saí, junto com outras pessoas, e quando fui dobrar à esquerda, vi que já tinha, em frente ao Teatro Municipal, um cordão do Choque, e virei à direita; quando virei, fui atingido na perna por tiros de balas de borracha.” Segundo ele, o objetivo da PM foi, "deliberadamente, fazer com que a manifestação acabasse”.
O deputado registrou a ocorrência, com exame de corpo de delito, na 9ª DP, no Catete, onde encontrou uma jovem estudante da UERJ, ferida por uma bala de borracha na cabeça. “É muito importante fazer o registro para a denúncia desses atos”, destaca.
“O cenário é assustador”, diz Glauber Braga. “O Temer é um segundo Cunha, que faz o serviço sujo e é descartado. Se não tocar essa agenda, vai ser descartado mais rapidamente. Está ganhando tempo. Não tem nada a perder e, se não tocar essa pauta ilegítima, independente da popularidade, vai para a cadeia. É uma situação preocupante, porque a violência tende a se intensificar, até por questão de sobrevivência para ele.”
Mobilização popular x lobby patronal
Como efeito da greve geral do dia 28 e das manifestações em todo o país, Braga espera que se intensifiquem a fragmentação e a redução da base governamental. Mas alerta que a rejeição das propostas depende “de continuar a mobilização” contra elas.
Na nota de balanço do ato (veja aqui a íntegra), o Sinpro-Rio estima que mais de 25 mil professoras e professores deixaram de ir às escolas particulares na greve geral, “para realizar, pacificamente, ao lado de pais e alunos, uma verdadeira aula de democracia”, com aulas públicas em diversos pontos da cidade. Para a deputada Jandira Feghali, surpreendida pelas bombas da polícia enquanto falava, esta foi a maior mobilização de trabalhadores e trabalhadoras brasileiras em quatro décadas. “Depois disso aqui, eles não têm mais condição de aprovar a Previdência na Câmara; e o Senado está constrangido frente à reforma trabalhista”, avalia.
A PM funciona como janguço, comparou o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ). “Aqui no Rio, criou-se um novo padrão. Eles não só reprimem as manifestações; eles vão atrás, perseguem”, diz. O “novo padrão” foi apontado na nota de repúdio da OAB (veja aqui a íntegra): “(…) o ataque com métodos de tocaia e a posterior perseguição por vários bairros a pessoas que tão-só exerciam seu direito à manifestação representa grave atentado à Constituição e ao Estado democrático de Direito.”
Damous, contudo, observa que “ninguém reprime aquilo que fracassa. Se a greve tivesse sido um fracasso, não tivesse acontecido, não teria havido repressão. É o atestado de que as mobilizações aconteceram.” Nesse sentido, acredita que a adesão ampla à greve pelo país marque o que chamou de “o começo do fim” do governo golpista. Para ele, a aprovação das mudanças na legislação trabalhista ajudou a fortalecer os protestos. “Hoje derrotamos esse projeto. Não acredito que no Senado tenham a ousadia de aprovar aquele lixo legislativo que saiu da Câmara.”
Damous destacou o fato de as emendas ao projeto da reforma trabalhista terem sido redigidas não nos gabinetes dos deputados mas nas confederações patronais – de bancos, do comércio, da indústria. “Isso mostra o caráter classista, de hostilidade à classe trabalhadora. E, pela primeira vez na história mundial do direito do trabalho, inverteu-se o princípio da proteção, sempre do lado mais fraco, do trabalhador. Agora a proteção é ao empregador. Temos que denunciar.”
“O Brasil passou mais de duas décadas sob o jugo do autoritarismo”, alerta a OAB/RJ. “Não podemos admitir qualquer ensaio de retorno a aqueles tempos sombrios. É o alerta que a OAB/RJ, em seu papel institucional, faz nesse preocupante momento de nossa história. Democracia, sempre.”