A Organização das Nações Unidas enviou carta ao Estado brasileiro questionando a proposta de “Escola sem Partido”, que contraria princípios dos direitos humanos internacionais e também a Constituição Federal de 1988 do Brasil. Pede, por isso, a revisão dos Projetos de Lei 867/2015 e 193/2016 (elaborados a partir das diretrizes do movimento) e insiste na importância da disseminação do respeito à diversidade sexual. Nesse sentido, as advertências feitas ao governo também poderiam servir para que o Ministério da Educação revisse a exclusão da base nacional curricular, no último dia 5 de abril, dos termos “identidade de gênero" e "orientação sexual".
Os relatores especiais do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, que assinam o documento, argumentam que o Artigo 19 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992, protege a todos o direito à opinião, sem interferências, e o direito a buscar, receber, e partilhar informações e ideias de todos tipos, independentemente de fronteiras ou meios. Ainda com base no Artigo 19, sublinham seu caráter de “necessidade” e não somente como “útil, desejável ou razoável”, o que implica em acesso e proporcionalidade.
Crítico aos projetos de lei – que quer proibir conteúdos relacionados a questões de gênero na escola – o documento afirma que a “discussão sobre gênero e diversidade sexual é fundamental para prevenir estereótipos de gênero e atitudes homofóbicas entre estudantes” e que “por não definir o que é doutrinação política e ideológica, (…) a proposição permite que quaisquer práticas pedagógicas dos professores sejam consideradas como doutrinação, tornando a escola uma extensão do ambiente doméstico antes de uma instituição educacional que proveja novas perspectivas”. Afirma, ainda, que o projeto apresenta o risco de impedir “o desenvolvimento de um pensamento crítico nos estudantes e a habilidade de refletir, concordar ou discordar com o que está exposto em aulas”.
Para os relatores, as propostas vão no sentido contrário de outras recomendações já feitas pela própria ONU ao país. Citam, nesse sentido, parecer com conclusões do Comitê sobre os Direitos da Criança (CRC/ONU), de 2015, que, destacando os artigos 2, 3, 6 e 12 da Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, recomendou ao Brasil “b) decretar legislação que proíba discriminação ou incitamento de violência com base em orientação sexual e identidade de gênero assim como continuar o projeto “Escola Sem Homofobia”; c) priorizar a eliminação de atitudes patriarcais e estereótipos de gênero, inclusive por meio de programas educacionais e de sensibilização”.
O posicionamento da ONU responde a denúncia feita pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH). “É uma grande conquista o posicionamento da comunidade internacional contra o cerceamento da liberdade de expressão dos professores no Brasil, que tem prejudicado a qualidade da educação e colocado em xeque a primazia dos Direitos Humanos e dos princípios constitucionais”, afirmou o coordenador-geral da campanha, Daniel Cara. “Vamos continuar nesse enfrentamento, sem descansar.”
O “Escola sem Partido” é um movimento ligado a setores da extrema direita e a pastores evangélicos. Pretende censurar, fiscalizar e controlar os conteúdos apresentados em sala pelos professores.