SOBERANIA EM DEBATE

Quinta-feira, às 16h

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Rotatividade ministerial aprofunda crise política e favorece avanço autoritário

Desde sua posse, em maio de 2016, o governo de Michel Temer já teve nove ministros afastados, quase um por mês, em média. Dos 24 que estão no cargo, 15 foram citados na Operação Lava-Jato, e, mais recentemente, Osmar Serraglio, da Justiça, foi mencionado na Operação Carne Fraca, da Polícia Federal. Para historiadores e cientistas políticos, essa rotatividade produz uma deslegitimação progressiva do Poder Executivo, aprofunda a crise política e favorece o avanço no país de alternativas autoritárias, de cunho populista e pela extrema direita.

“Temer cumpriu o papel de tirar Dilma Rousseff do governo e criar uma situação que tentasse inviabilizar uma possível candidatura do ex-presidente Lula em 2018. Mas, a partir do momento que surjam outras alternativas a esse projeto, ele poderá deixar de ser tão importante, e pode-se seguir outro caminho, que não sabemos qual é”, analisa o professor de História Contemporânea da Universidade Estadual de Maringá (PR), Sidnei Munhoz. “Uma possibilidade é a saída autoritária, com candidatos de extrema direita. A outra é o discurso insistente da normalidade feito pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, gerar uma expectativa positiva que permita ao governo sair da crise, para tentar conquistar alguma legitimidade, que o mantenha no poder, e produzir um sucessor .”

O risco autoritário tem acompanhado há muitos anos a história brasileira. O professor titular de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marcos Guedes de Oliveira, observa que o Brasil arrasta o que chama de uma longa tradição cultural conservadora, não democrática, clientelista, e uma elite de pensamento patrimonialista e autoritário. “Não passamos por um grande revolução”, explica. “Os EUA destruíram as estruturas agrárias do Sul, a Revolução de 17 destruiu as estruturas feudais e semifeudais da Rússia, e a China também, na revolução de Mao. No Brasil, do interior da Amazônia até São Paulo, temos a pré-história e o mundo tecnológico mais moderno convivendo, e, no comportamento político, a presença do “coronel” ainda é muito forte”.

Por isso, nas eleições de 2018, Oliveira concorda que, dependendo das alianças que serão formadas, do rumo das mudanças em curso, inclusive da Lava Jato, o Brasil “poderá ter um governo mais estável, mas também namorar o autoritarismo”. Para essa inflexão à extrema direita, contribuiria, ainda, uma tendência autoritária global. “Os EUA deixaram de defender a democracia. Eles têm um sistema eleitoral ultrapassado, um sentimento interno de desigualdade, de deslegitimação, um Estado de vigilância. Esta mentalidade é a que está dominando e se generalizando. Em todo o planeta, a política global está mais fechada. E a baixa legitimidade do governo brasileiro reforça no país essa tendência.”

Trata-se, aqui, de estar vivendo de forma continuada um situação anômala, destaca o sociólogo Michel Misse, professor titular de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), da UFRJ. “Diante de um impeachment, que pode ser considerado ilegal, dada a falta efetiva de argumentos jurídicos que definem crime de responsabilidade, e dado o caráter ilegítimo do governo que se formou depois, há uma crise política instaurada. Ao contrário do que os golpistas esperavam, ela não se diluiu e agora alcança os principais nomes que articularam a tomada do poder. Isso agrava a crise política, no momento que o governo pretende acelerar a aprovação a toque de caixa de reformas importantes no Congresso Nacional.”

Para Misse, a instabilidade se instalou no país em dois principais momentos: quando a oposição derrotada (leia-se o PSDB) não aceitou os resultados da última eleição presidencial; e nos desdobramentos da Lava Jato. “O primeiro levou ao impeachment da Dilma e o segundo continua em curso e ameaça levar ao impeachment do Temer”, diz. O cenário, na opinião do sociológo, beira a convulsão social.

A expectativa geral é se o governo conseguirá chegar até as próximas eleições. “Ele tem a maioria no Congresso, mas uma resposta nas ruas limitada”, pondera o professor da UFPE. Mas, ainda que o Temer caia, Oliveira não prevê mudanças drásticas, uma vez que o presidente da Câmara – Rodrigo Maia (DEM), amparado nas mesmas bases parlamentares – deve manter estrutura semelhante. E acha difícil que se concretize a hipótese desta maioria tentar impor ao país um regime parlamentarista: “Com esse Congresso que aí está, o parlamentarismo iria reforçar ainda mais as práticas do ‘toma lá, dá cá’.”

O que sustenta o governo

Na opinião de Munhoz, é importante entender, nesse cenário de grande rotatividade ministerial, o que efetivamente dá sustentação ao governo. “Já no ato da definição dos novos ministros, Temer deu posse a sete nomes citados na Lava Jato. Então a pergunta que eu tentaria responder é: como um governo, com uma rotatividade tão grande, com 70% a 80% dos seus integrantes investigados pela Lava Jato ou em outras investigações, mantém certa estabilidade?”

A resposta, diz ele, está na maioria conseguida no Congresso. “E é relevante, nesse sentido, que tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado, temos, seguramente, em toda a história após a Segunda Guerra, uma das composições de perfil mais conservador, corrupto e corporativo. É essa a base de sustentação do governo Temer.”

De acordo com o professor, que também coordena no Brasil o projeto Opening the Archives, de uma parceria da Brown University com a  com a Universidade Estadual de Maringá, dedicado à publicação de documentos sobre as relações Brasil – EUA durante o período da ditadura (64-85), a mídia e o capital são as outras duas bases de suporte do governo Temer.

“É um governo que não está muito precupado com sustentação popular, tanto que as medidas que vem tomando são em defesa do do grande capital e do capital estangeiro, que afetam direitos consolidados dos trabalhadores. Nunca tivemos ataques tão contundentes aos direitos dos trabalhadores consolidados desde os anos 1940.” De fato, sublinha o professor, “o atual processo de destruição do modelo de previdência no país, pois é disso que se trata, visa a abertura de espaço para a expansão da previdência privada e, como resultado implícito desse processo imposto de forma elitista à sociedade, teremos em breve milhões de brasileiros completamente desprotegidos.” Finalmente, o Judiciário, incluindo o Superior Tribunal Federal (STF), também faz sua parte, na opinião de Munhoz, para a permanência do governo, “ao atuar de forma parcial, venal, tendenciosa, utilizando pesos e medidas diferentes”.

Experiências avançadas de democracia no país, como a da Constituição de 88, têm esbarrado frequentemente nos limites do que o professor considera uma cultura política de desprezo aos conceitos democráticos, disseminada em amplas parcelas da população. “A ideia de democracia, para muitos, é um desejo retórico, mais discursivo do que prático”, diz.

Além disso, ele destaca a pressão exercida globalmente pelos interesses financeiros: “O poder dessa elite determina a política financeira, fiscal, e não só no Brasil. Há um reordenamento mais complexo no sistema internacional. E se a candidata derrotada nos EUA, Hillary Clinton, era mais ligada aos grupos de Wall Street e ao chamado complexo industrial militar, o presidente Donald Trump, apesar de toda a sua imprevisibilidade, por sua vez, logo buscou uma reacomodação ao colocar representantes do sistema financeiro em cargos chaves do governo .”

Os escândalos não incomodam os setores que sustentam o governo, destaca o professor da Universidade Estadual de Maringá, porque eles têm outros objetivos. “O que pretendem é a adoção de medidas que beneficiem o grande capital, nacional ou internacional. Provavelmente, daqui a alguns anos, deveremos discutir discutir, perante a existência de evidências mais robustas,  até que ponto houve interferências de governos estrangeiros e de grandes corporações internacionais no processo de desestabilização do governo constitucionalmente eleito de Dilma; e que interesses, como os vinculados ao setor petrolífero, foram beneficiados com isso.”


Alta rotatividade

. Eliseu Padilha (Casa Civil)
Data de saída: 24/02/2017
Motivo: afastou-se para uma cirurgia na próstata, e retornou ao governo em 13 de março. A licença médica coincidiu com acusações de que repassou de dinheiro para o PMDB, feita por delatores da Odebrecht.

. José Serra (Relações Exteriores)
Data de saída: 23/02/17
Motivo: alegou problemas de saúde
Substituto> Aloysio Nunes

. Alexandre de Moraes (Justiça)
Data de saída: 22/02/2017
Motivo: indicado ao Supremo Tribunal Federal
Substituto> Osmar Serraglio (PMDB) (Ainda na pasta. Mas gravado em interceptações telefônicas da Operação Carne Fraca.)

. Bruno Júlio (Secretário da Juventude)
Data de saída: 7/01/2017
Motivo: pediu demissão porque deu declaração pública defendendo as chacinas nos presídios de Manaus e Roraima – “Tinha que ter uma por semana”, disse.
Substituto> Assis Filho – que está sendo investigado pela Promotoria de Justiça da Comarca de Pio XII (MA).

. Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo)
Data de saída: 25/11/2016
Motivo: acusado pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero de ter pressionado o Iphan, em causa própria, para aprovar um empreendimento imobiliário na Bahia, no qual Geddel havia comprado uma unidade.
Substituto> Antônio Imbassahy

. Marcelo Calero (Cultura)
Data de saída: 18/11/2016
Motivo: pediu demissão reclamando de pressões contrárias a decisão do Iphan de não autorizar empreendimento imobiliário da Bahia de interesse do ex-ministro Geddel Vieira Lima. Afirmou que o presidente Temer e o ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, mandaram enviar o processo do imóvel para a AGU – procedimento fora do padrão.
Substituto> Roberto Freire

. Fábio Medina Osório (AGU)
Data de saída: 9/09/2016
Motivo: demitido. Bateu de frente com o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), que não gostou de sua autonomia na pasta, especialmente quando Osório pediu acesso direto ao conteúdo das investigações da Lava-Jato, que, segundo ele, o governo tentaria abafar.
Substituta> Grace Maria Mendonça

Henrique Alves (Turismo)
Data de saída: 16/06/2016
Motivo: pediu demissão porque teve o nome citado na delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.
Substituto> Marx Beltrão

. Fabiano Silveira (CGU)
Data de saída: 30/05/2016
Motivo: pediu demissão porque apareceu nas gravações do ex-presidente da Tanspretro, Sergio Machado.
Substituto>Torquato Jardim

. Romero Jucá (Planejamento, Desenvolvimento e Gestão)
Data de saída: 24/05/2016
Motivo: pediu demissão por ter aparecido em gravação feita pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, na qual sugere um “pacto” para barrar a Lava Jato.
Substituto> Dyogo Oliveira