Diogo Calazans*
Começou no último dia 4 de abril mais uma edição da famosa feira internacional “LAAD Defence & Security”, que vem sendo organizada no Brasil de dois em dois anos (2013, 2015, 2017, com exceção da primeira edição realizada em 2009), e vai até o dia 7. Como era de se esperar, algumas empresas, que já integram o histórico do evento, marcam presença, como as nacionais Embraer e Avibrás e as americanas Boeing e Lockheed Martin. A feira também mantém a tradição de apresentar diversas companhias russas, chinesas, europeias e sul-americanas.
Assim como em suas edições anteriores, há um estande para cada uma das Forças Armadas (FFAA) e para o Ministério da Defesa do Brasil, bem como para departamentos político-econômicos e de defesa de outras nações, como Estados Unidos, Turquia e Israel.
Em meio à grande experiência que o evento proporciona, um fato na abertura chamou tanta atenção quanto os avanços tecnológicos em termos de aparatos e recursos de defesa e segurança: a fala do ministro da Defesa do Brasil, Raul Jungmann.
O ministro deu continuidade a um discurso, adotado nos últimos anos pelos representantes da pasta de governos anteriores, enaltecendo o papel da indústria de defesa no desenvolvimento econômico nacional (através de spin-off, ou seja, do ‘desdobramento’ de tecnologias em outras tecnologias). Ainda que diversos estudiosos do tema, inclusive brasileiros, como o professor Renato Dagnino da Unicamp, tenham exposto que tal relação não é exatamente verdadeira. E que, portanto, a decisão por desenvolver uma base industrial de defesa sólida se dá mais por aspectos estratégicos e geopolíticos.
Entretanto, ainda que o atual ministro tenha ciência de tal fato, e, mesmo assim, opte por um investimento no sentido de estimular a indústria nacional de defesa, seu discurso pouco se alinha com a prática.
Jungmann foi responsável por cortes no financiamento de pesquisas como o Pró-Defesa e inúmeras iniciativas científicas do Instituto Pandiá Calógeras (braço do Ministério da Defesa responsável pelo desenvolvimento de pesquisas em estratégia e defesa nacional). Mais uma vez, o ministro mostra-se alheio à produção de conhecimento nacional em defesa. Como o professor da UFF, Vitélio Brustolin, explica em sua tese de doutorado, a universidade/pesquisa é a força motriz da hélice tripla da inovação, que impulsiona a indústria e estimula o investimento governamental.
Ao mesmo tempo, afinado ao governo que representa, o ministro da Defesa cortou verbas de projetos estratégicos das forças, como o do programa de desenvolvimento de submarino com propulsão nuclear, o Prosub. Questiona-se então onde fica o apelo por uma “política de estado” e não uma “política de governo”, proferido em sua curta explanação.
Há também o “grande anúncio” da parceria com o BNDES para a coordenação de exportações e linhas de financiamento interno para inovação no setor. Financiamento para inovação doméstica? Ok. Mas como se almeja exportar algo que pouco se tem (e é o que se deseja estimular)? Qual outra grande empresa brasileira atua no segmento de defesa além da Embraer? Qual outra empresa nacional tem capacidade de competir e encarar o lobby das gigantes internacionais, ainda que com incentivo fiscal?
A Odebrecht seria uma opção, mas foi arruinada pelo governo em exercício através da operação Lava-Jato, que ao invés de punir unicamente os responsáveis diretos pelas transações ilícitas e esquemas de corrupção, condenou toda uma empresa (e seus funcionários) em prol de uma investigação que, até agora, não produziu resultados consistentes e vem sendo conduzida de forma completamente equivocada. Fica a impressão de que falta ordenamento das etapas na consolidação de uma cluster, ou que se deseja dar passos mais largos que o tamanho das pernas.
Somada à inconsistência entre discurso e prática do ministro da Defesa, a ampla presença americana em iniciativas ligadas às tecnologias sensíveis e, analogamente, à defesa nacional, é preocupante. Entre os expositores na LAAD estavam o Departamento de Defesa dos Estados Unidos e um órgão do Departamento de Comércio americano. Um representante do Ministério da Defesa ainda alegou que “o Brasil escolheu os EUA como parceiro estratégico”. Poucos dias antes da feira, foi anunciada a criação de um Centro Tecnológico do Comando de Engenharia, Desenvolvimento e Pesquisa do Exército dos Estados Unidos (RDECOM) em São Paulo. Estas são notícias mais recentes, mas a história é bem mais antiga do que alguns imaginam.
Órgãos de P&D ligados às forças armadas americanas têm patrocinado diversas pesquisas nas universidades brasileiras (um exemplo é a Unifei, Universidade Federal de Itajubá, que recebe financiamento de um escritório da força aérea americana) ao longo dos últimos anos. Empresas americanas vêm estabelecendo centros de pesquisa em todo o país, como acontece no CTA em São José dos Campos, no interior de São Paulo. A Boeing criou, em 2014, laboratórios na UFMG, em Belo Horizonte, para o desenvolvimento e inovação no que tange o ramo aeroespacial.
Ainda: a “política externa” promulgada pelo recentemente exonerado ex-ministro das Relações Exteriores, José Serra, e que provavelmente continuará a ser implementada pelo agora ministro, Aloysio Nunes (do mesmo partido de seu antecessor), deixa de lado as relações sul-americanas e estabelece um alinhamento com o atual hegemon, apontando para um agravamento do cenário de dominação brevemente referido acima.
Este é mais um dos muitos exemplos que ilustram a postura do governo em exercício, desprovido de conhecimento, que padece de planejamento e, através de decisões pouco embasadas, arrisca destruir a capacidade nacional de engenharia e, consequentemente, a soberania brasileira.
*Analista de Defesa, graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)