Marcia Motta, professora do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense (UFF), tem trabalhado com ênfase nos estudos de História Agrária – conflito de terra, apropriação territorial, direito agrário e movimentos rurais.
“Soberania é um termo muito consagrado pelos historiadores, em geral por aqueles que estudam a dimensão e a construção do ideal democrático a partir da Revolução Francesa. E essa noção de soberania foi dilacerada pelo golpe recentemente estabelecido. Pressupõe, antes de tudo, o poder do povo nas decisões mais candentes da nossa vida e do nosso projeto de futuro.
No que se refere ao meu tema de pesquisa, isso atinge diretamente a ampliação da noção de conhecimento. Pode ser visto, por exemplo, com a destruição da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1996, pelo projeto atual, que impede efetivamente que a História seja uma disciplina dada a todos, para que todos possam conhecer o passado e fazer seus projetos de futuro. O fim da obrigatoriedade das disciplinas de Humanas significa o fim de mecanismos para que as pessoas possam se reconhecer como parte de uma sociedade soberana. E, finalmente, as póprias políticas do governo Temer em relação à questão da propriedade territorial. O apoio, a entrada do capital estrangeiro no acesso à terra, a privatização de experiências coletivas bem-sucedidas – como os quilombos, as terras indígenas – e todos os mecanismos de retirar direitos consagrados há mais de uma década.
É lógico que não temos nenhuma ilusão de sermos capazes de mudar os rumos da política a curto prazo, mas talvez possamos contribuir para que as pessoas pensem, que há alternatativas, e alternativas muito mais generosas e de um futuro muito melhor a partir de uma revisão dessas propostas que o governo Temer tem posto, ferindo a nossa própria soberania.
Eu acho que um dos elementos obscuros desse golpe é exatamente o processo de deslegitimiação das atividades coletivas e das ações que já eram implementadas no sentido de fortalecer decisões comunitárias. À medida que o governo constrói uma ilusão, por exemplo da noção de propriedade privada, na verdade está transformando terras coletivas em mercadorias. Quando, na verdade, já havia uma geração de jovens que tinha entendido que, em determinadas circunstâncias, a propriedade coletiva pode ser muito mais benéfica para o enriquecimento da comunidade do que o parcelamento mínimo de terras. Assim, esses mecanismos, que a princípio falam muito pouco, na prática criam uma geração muito mais sujeita à economia de mercado e mais frágil para lutar diante do próprio capitalismo.
Soberania pra mim é o direito do povo escolher seu próprio destino e seu próprio futuro. Não acredito que a história tenha terminado aqui. Na realidade, nós estamos agora um capítulo muito ruim dessa história, mas a gente pode construir um futuro mais generoso, com uma política mais agregadora, integradora e inclusiva.”