Vácuo de poder: as forças que disputam o país

""

*Jorge Rubem Folena de Oliveira

Nicolau Maquiavel, em “O príncipe”, afirmou que “os homens, em geral, julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, pois todos podem ver, mas poucos são os que sabem sentir.”

Convidado para receber a medalha do mérito militar nas comemorações do Dia do Exército, em 19 de abril de 2017, o juiz primitivo do Paraná demonstrou grande satisfação pelos apertos de mãos recebidos e sorrisos compartilhados.

Na celebração os anfitriões exibiram o aparato de suas forças aos olhos dos presentes, inclusive do delatado “MT”, que também recebeu gentil aperto de mãos.

Em qualquer democracia regular, a força reside no povo, único detentor legítimo do poder, que todos, em gesto metafísico, entregam ao Estado com a finalidade de evitar conflitos, desordens e guerras, como formulado por Hobbes.

Conforme confessado formalmente por “MT” em entrevista à jornalista da TV Bandeirantes, divulgada também em vídeo pelo Twitter oficial do Palácio do Planalto (no domingo 16 de abril de 2017), a causa do rompimento da democracia no Brasil, decorrente do impeachment de Dilma Rousseff em 2016, foi porque a presidenta reeleita em 2014 não satisfez os interesses pessoais de Eduardo Cunha. Isto porque, por ocasião do processo de cassação de Cunha na Câmara dos Deputados, Dilma não autorizou os deputados do seu partido a votarem pelo arquivamento do processo na Comissão de Ética. Por isso Dilma foi destituída, mesmo sem ter cometido qualquer crime, como reconheceu “MT”. E, em decorrência, estabeleceu-se esta que talvez seja a maior crise institucional no país, que até 2014 crescia e prosperava, como demonstram dados da Pesquisa de Amostra Domiciliar do IBGE (PNAD).

Com o impeachment, traçado e autorizado pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição de 1988 foi rasgada e a democracia e a soberania popular foram rompidas, fazendo o Brasil ingressar numa fase de ausência de legitimidade de poder institucional.

A ilegitimidade dos Poderes Executivo e Legislativo agravou-se com a divulgação das confissões dos donos de empresas – que manifestaram que há mais de 30 anos corrompem os políticos em quase todos os níveis federativos, como declarou o patriarca da Odebrecht.

O poder é tratado, por diversos pensadores, como violência. Com a democracia rompida e as instituições desmanteladas, abriu-se um vácuo de poder. Nesse quadro de desmanche da democracia e das suas instituições, existe hoje no Brasil uma luta pela ocupação do poder, cuja conquista tem sido disputada explicitamente por:

1) operadores do mercado financeiro (representados pelo bancário ministro da Fazenda, nas propostas para retirada de direitos dos trabalhadores, mediante as reformas trabalhistas e da previdência, a redução e o congelamento das verbas orçamentárias para saúde e educação, além do aumento de tributos);

2) agentes do narcotráfico (em decorrência da migração do território colombiano, visando a ampliação de suas atividades pelo imenso território brasileiro), como visto nas dezenas de decapitações ocorridas nos presídios no início de 2017 e no crescente fortalecimento de suas posições nos guetos e nas favelas das grandes cidades, onde residem expressivos quantitativos populacionais que são forçadamente submetidos às regras estabelecidas no local pelos traficantes);

3) e empresas dos grandes meios de comunicação social.

As grandes empresas de comunicação social têm exercido uma forte pressão sobre os políticos e partidos, criando o falso mito do “protagonismo judicial”, apresentado como salvador da pátria.

Madison, Hamilton e Jay, em “O Federalista” (em que se analisa a fundação dos Estados Unidos da América), afirmam que o Poder Judiciário é o mais fraco dos poderes, conclusão ditada pela lógica, pois decorre do fato de que juízes não desfrutam diretamente da força do povo (como o parlamento) e nem das armas (como o Poder Executivo).

As empresas de comunicação têm conhecimento desta fragilidade e a utilizam para manipular determinadas figuras da burocracia judicial, fazendo-as crer que podem ocupar o vácuo de poder, na disputa com seus concorrentes, neste momento trágico para o Brasil.

Com efeito, por não “saber sentir”, como alerta Maquiavel, a burocracia repressiva da polícia, do Ministério Público e do Judiciário facilita o caminho para a desordem política.

Assim, o juiz primário, presente numa festa como mero convidado, por não saber perceber os sinais, também não vê que, ao incentivar os ataques ao projeto de lei relativo aos crimes de abusos de autoridade, debatido no Senado Federal, possibilita o caminho para o esvaziamento definitivo do parlamento, esquecendo-se, porém, de que no dia 18 de abril de 2017 foi anunciado que um general do Exército brasileiro assumirá a Secretaria Nacional  de Segurança Pública do Ministério da Justiça.

* Doutor e professor em Ciência Política

Você pode gostar...