Sistema de comunicação no Brasil “está no feudalismo”, diz integrante do FNDC

Ednubia Ghisi, da Comunicação do Senge Paraná

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“Se chegássemos no estágio capitalista, já seria um avanço, porque hoje a comunicação no Brasil está no feudalismo”. A afirmação é da jornalista Bia Barbosa, secretária-geral do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação (FNDC) e integrante do coletivo Intervozes, durante o IV Simpósio SOS Brasil Soberano, realizado em Curitiba no dia 14 de julho. A ação é iniciativa da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge) e do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (Senge-RJ), que na capital paranaense também foi realizada pelo Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR).

A relação da radiodifusão com o sistema feudal, de acordo com a jornalista, está expressa no controle territorial exercido por grupos empresariais de comunicação, que detêm o poder político e econômico local. Como resultado, este cenário gera “coronéis eletrônicos”, figuras públicas com grande influência nas regiões.

De acordo com dados apresentados pela integrante do Intervozes, na composição atual do Congresso Nacional, 32 deputados federais e oito senadores são controladores diretos de concessões públicas de radiodifusão. Esta realidade contraria o artigo 54 da Constituição Federal de 1988, que proíbe deputados e senadores de terem concessão de TV ou de rádio. O “coronelismo eletrônico” viola ainda o pluralismo político e o direito à cidadania, expressos no artigo 1º, e o princípio da isonomia, previsto no artigo 5º.

Comunicação soberana
A reflexão sobre a radiodifusão e as telecomunicações, segundo Bia Barbosa, é imprescindível para um projeto de soberania nacional. “Democracias em todo o mundo entendem a necessidade de reger as políticas de comunicação a partir do interesse público, mas isso não ocorre no Brasil”, explica a militante. “Nosso país, infelizmente, construiu um sistema de radiodifusão na contramão dessa lógica, e destinou as concessões basicamente ao mercado.”

Há previsão constitucional para complementariedade dos sistemas de comunicação, isto é, equilíbrio entre o espaço dado à comunicação pública (sem fins lucrativos), estatal (para dar transparência ao que ocorre nos três poderes da República) e à privada (formada pelas empresas particulares, que visam lucro). Mesmo durante os governos do PT, Bia aponta ter faltado “visão estratégica” da centralidade de comunicação pública, por exemplo. “Passamos os últimos 15 anos sem enfrentar a concentração na mídia no Brasil, sem avançar o suficiente na comunicação pública, e fragilizando a comunicação comunitária. Atualmente há 5 mil comunicadores populares respondendo a processos no Brasil.”

Para a integrante do Intervozes, a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), tentativa de construção de uma emissora pública, foi, contudo, uma iniciativa relevante do governo Lula, mas que está sendo desmontada desde o início do governo Michel Temer (PMDB). A Medida Provisória 744/2016 extinguiu o mandato do então presidente da EBC, Ricardo Mello, e também o Conselho Curador da empresa. “É um quadro absurdo de censura interna. O que a EBC tem feito é comunicação governamental, e não comunicação pública”, denuncia a jornalista do Intervozes.

Privatização da infraestrutura de telecomunicações
Com relação à internet, Bia Barbosa aponta que, apesar de ser um espaço de pluralidade e diversidade, mais de 50% da população brasileira não tem acesso à rede. “E, não por acaso, é a população dos mais pobres que está excluída do acesso à internet”.

Ela alerta para a gravidade do cenário atual das telecomunicações, um setor dominado no país por empresas privadas estrangeiras e que, na mudança do modelo de prestação do serviço, poderão ficar com toda a infraestrutura de redes instalada no país, e originalmente destinada ao Estado. A proposta do governo de alterar a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) prevê o fim do regime de concessão – e, consequentemente, dos compromissos e metas de universalização –, tornando as empresas simples “autorizadas”. A LGT estabelece, contudo, que ao encerrar a concessão, as empresas deveriam devolver a infraestrutura ao Estado.

“São R$ 100 bilhões em infraestrutura de telecomunicações”, lembra Bia, citando estimativa feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O Projeto de Lei que pretende autorizar este “presente” às multinacionais está paralisado e judicializado, como consequência da mobilização dos movimentos de comunicação.

Outro favorecimento explícito ao setor privado, em detrimento do interesse público, destaca a jornalista, é a licitação do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC), lançado ao espaço em março. O SGDC foi um investimento público que visava assegurar acesso à internet em regiões não atendidas pelas operadoras, especialmente na Amazônia. Mas o atual governo decidiu oferecer ao setor privado, em leilão marcado para o próximo dia 28 de julho, a ocupação da maior parte da capacidade de comunicação de dados do satélite brasileiro (excluída a banda fechada a aplicação militar) para uso comercial.

Centralidade da comunicação, na prática
Para transformar este cenário crítico, Bia Barbosa defende a inclusão da pauta das telecomunicações nas agendas das organizações sociais e dos sindicatos: “O tema não pode ficar restrito ao campo dos jornalistas. Precisamos ampliar a pauta e fazê-la chegar até a população, para que as pessoas saibam que também têm direito de reivindicar. No campo da comunicação, não há essa consciência de que ela também é um direito”.

A jornalista propõe também a retomada de um debate sobre um novo marco regulatório convergente entre telecomunicações e radiodifusão, em paralelo à resistência aos outros inúmeros retrocessos impostos pelo governo Temer. “Não estaríamos como estamos hoje, se tivéssemos enfrentando a questão da concentração de mídia no Brasil”, garante.

Além disso, ela destaca a importância de fortalecer as ferramentas de comunicação popular e alternativa, que têm avançado como instrumentos de contrainformação. “A centralidade da comunicação está na boca de dez em cada dez militantes e dirigentes sindicais, mas não ocorre na prática das ações”, provoca.

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