Reação do Exército e acusações de ilegalidade fazem Temer recuar no uso político das Forças Armadas

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Entre as várias críticas ao decreto presidencial publicado na quarta-feira (24), autorizando o uso das Forças Armadas contra manifestações políticas em Brasília, a reação do comandante do Exército, general Eduardo da Costa Villas Bôas, foi decisiva para o recuo do governo, que revogou a medida nesta quinta (25). Segundo o historiador Francisco Teixeira, “o recado do comando do Exército foi claro, no sentido de assegurar a defesa da Constituição; e o decreto para acionar operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) era flagrantemente inconstitucional”.

Após palestra em São Paulo, ontem, Villas Bôas declarou sua preocupação aos jornalistas: "Acredito que a polícia deva ter ainda a capacidade de preservar a ordem; ficamos em uma situação de expectativa caso algo fuja ao controle."

Francisco Teixeira explica que o decreto não atendeu ao pedido feito pela Câmara (o presidente da Casa, Rodrigo Maia, disse ter solicitado apoio da Força Nacional e não das Forças Armadas); e não respeitou o direito federativo, uma vez que não houve consulta ao governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, entre outros requisitos desrespeitados para a GLO, previstos na Constituição e nas leis que a regulamentam.

Pelas normas, a operação de Garantia da Lei e da Ordem pode ser realizada a pedido do chefe de qualquer um dos Poderes da República (o que não aconteceu); e só após estarem esgotados os recursos das forças policiais convencionais (o que não se verificou junto ao governo do Distrito Federal). Além disso, a GLO deve ter área geográfica de aplicação especificada – diferentemente do decreto de Temer, que deixava a cargo do ministro da Defesa a definição de que lugares no Distrito Federal poderiam ser “policiados” pelas Forças Armadas. Da mesma forma, sua motivação também precisa estar associada a fato objetivo. A manifestação que provocou a medida estava programada apenas para o dia 24, mas o decreto estendia a GLO até  31 de maio.

Todos esses requisitos normativos, descumpridos pelo governo Temer, foram obedecidos nas 29 vezes, entre 2010 e 2017, que a GLO foi acionada no país, sem que houvesse contra a medida nenhum questionamento constitucional (Copa do Mundo, Olimpíada, greve de policiais em Pernambuco e no Espírito Santo, etc.). O decreto de Temer foi o que Teixeira considera uma “violação histórica” do instituto do mecanismo da Garantia da Lei e da Ordem. “Trata-se de um contexto inadmissível, de ausência de razão e de glória, colocar as Forças Armadas para defender um governo ilegal e na antevéspera de comparecer aos tribunais para dar conta de acusações graves contra o patrimônio público.”

O pronunciamento à imprensa dos ministros da Defesa, Raul Jungmann, e do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, no fim da manhã de hoje, refletiu o esfacelamento da consistência institucional e a fragilidade do governo Temer. Para o ministro da Defesa, Raul Jungmann, houve um “mal entendido” entre o Executivo e a Câmara dos Deputados. “Um mal-entendido que poderia ter levado a crise política brasileira a um patamar ainda mais crítico”, avalia Teixeira.

A tentativa de usar as Forças Armadas para blindar Michel Temer – já com 13 pedidos de impeachment encaminhados à mesa da Câmara (incluindo o da OAB, previsto para ser protocolado nesta quinta-feira) –, de um lado, e a votação de reformas que retiram direitos constitucionais da população, de outro, ambos submetidos à forte pressão popular, resultou, na prática, em maior enfraquecimento do governo e do seu projeto, segundo historiadores e analistas políticos. “As Forças Armadas e a GLO não são para defender um presidente investigado criminalmente, mas para proteger a soberania e a unidade nacional”, afirma o cientista político Jorge Folena, que também é advogado constitucionalista. “Ao irem às ruas na Esplanada, ontem, as Forças foram contra seu papel constitucional.”

Manifestações contrárias ao decreto vieram de diferentes instâncias institucionais, além da reação indignada dos parlamentares de oposição, que acabou na suspensão da sessão no plenário da Câmara. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao saber do decreto da GLO, declarou-se preocupado: “espero que a notícia não seja verdadeira”. E o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, considerou a medida “um horror”: “Se esse governo não se sustenta, não serão as Forças Armadas que vão sustentar o governo.”

Para Folena, “tanto o inconstitucional decreto de ontem quanto a sua revogação hoje revelam a total incompetência de Temer e de seus ministros da Defesa e do Gabinete de Segurança Institucional, que convocaram as Forças Armadas para fazerem papel de polícia, que não é a sua atribuição constitucional.” Neste momento, ele destaca que as forças políticas brasileiras com representantividade precisam fazer um pacto para um governo de transição que assegure a realização de eleições diretas e uma nova Constituinte. “Para o isso, o PSDB tem que vir para a mesa, junto com os demais partidos, para colaborar no processo de reconstrução do Brasil, e não ficar defendendo um governo ilegítimo, nem tentando tutelar o povo brasileiro por meio da imposição de um governo que interesse apenas ao mercado financeiro.”

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