Pesquisadores assinam nota de apoio à ADPF 635

Arquivo_Maré Online _ Rede Brasil Atual


Nota de apoio da Rede Fluminense de Pesquisadores sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos à ADPF 635 – Favelas pela Vida

Nós, pesquisadores da Rede Fluminense de Pesquisadores sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos declaramos nosso apoio à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 635, também conhecida como a “ADPF das favelas pela vida”. A Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos representa diferentes instituições de pesquisa sediadas no Estado do Rio de Janeiro com notório saber nesse campo temático e conta com a adesão de especialistas de diferentes áreas científicas e gerações, cujo conhecimento produzido ao longo das últimas décadas é reconhecido nacional e internacionalmente. A ADPF 635 é uma das mais importantes ações jurídicas já realizadas, que visa regrar o poder de polícia possibilitando transparência, responsabilização e prestação de contas públicas do seu exercício pelos agentes da lei, uma contrapartida obrigatória da investidura dos mandatos policiais no Estado Democrático de Direito. A ADPF é uma ação fundamental para conter o uso desproporcional de força pelas polícias do Rio de Janeiro contra as populações negras e pobres de favelas e comunidades em território fluminense. Por estas razões subscrevemos tanto os pedidosque constam em sua petição inicial, como também a decisão liminar proferida pelo Ministro Edson Fachin.

A escalada de mortes por intervenção de agentes do Estado chegou a patamares históricos únicos no Rio de Janeiro. Em 2018 foram registradas 1534 mortes por agentes do Estado e, no ano de 2019, esse número aumentou 18%, chegando a 1810 mortes. Do total de homicídios cometidos no Rio de Janeiro, o percentual das mortes que resultam de ações policiais e/ou militares também vem crescendo, passando de 14% até 2016 para 31% no ano passado, fato inaceitável em qualquer modelo mínimo de Estado Democrático de Direito. A taxa de homicídios por 100 000 habitantes do Rio de Janeiro não posiciona o estado entre os primeiros lugares frente ao conjunto federativo, mas a taxa de letalidade policial fluminense é a maior do país, respondendo por um quarto de todas as mortes por intervenção de agentes do Estado no Brasil.

As operações policiais são responsáveis pela maior parte dessas mortes. Realizadas de forma pouco transparente quanto à pertinência operacional dos seus fins, a propriedade técnica dos meios logísticos empregados e a adequação de seus modos táticos de atuação, tais ações não têm registronotacional oficial, o que as tornaria objeto de escrutínio público sobre suas bases legais e legítimas. Apenas recentemente, as polícias elaboraram instruções normativaspara a constituição de protocolos para a realização de operações, mas raramente são elas seguidas. Depois de três décadas de operações cotidianas, facções de tráfico de drogas e grupos de milícias dominam territórios de favelas em extensão ainda maior. Assim, ainda que as operações policiais estejam no centro das ações de segurança pública, não há evidências concretasde sua eficiência no combate à criminalidade, na asfixia dos mercados ilícitos e no desmonte dos domínios armadosnos territórios populares, alvos das tais operações. De acordo com os dados oficiais divulgados sobre a produção policial, os “saldos operacionais” das operações policiais são inferiores aos produzidos pelos policiamentos ordinários. Porém, restam comprovados os seus efeitos de violência, contrários à prioridade de defesa da vida, que fundamenta toda e qualquer missão segundo a doutrina policial profissional. As violentas operações policiais realizadas em favelas ao longo de mais de três décadas foram incapazes de proporcionar maior segurança aos habitantes fluminenses. Elas têm contribuídopara a escalada de violência que coloca populações inteiras sob o fogo cruzado entre a violência do Estado e de grupos criminais armados.

As populações negras, pobres e residentes em favelas e/ou periferias da Região Metropolitana do Rio de Janeiroe demais municípios Fluminenses são as maisafetadas pelas operações policiais. São elas que têm suas áreas de moradia tratadas como territórios hostis, e seus corpos considerados alvos, expostos a todo tipo de arbítrio durante as ações policiais. Suas rotinas são duramente afetadas pelas incursões policiais que interrompemos serviços públicos dirigidos a essas populações, como escolas e postos de saúde. As polícias devem intervirem situações críticas e cenários adversos reduzindo riscos e perigos reais a que estão expostos os cidadãos e os próprios policiais em sua ação. Não há missão policiallegal e legítima que justifique expor pessoas ao risco de morte por arma de fogo no interior de suas próprias residências, como ocorreu com João Pedro, de 14 anos, adolescente negro morto por policiais enquanto brincava dentro de casa, em maio deste ano, no município de São Gonçalo, região que já registra 129 mortes por intervenção de agentes do Estado contra 120 registros de homicídios dolosos nos primeiros cinco meses de 2020. Nada justifica expor crianças ao risco de morte por arma de fogo a caminho da escola, como ocorreu com Marcos Vinicius, assassinado por policiais durante uma operação na Maré em junho de 2018. Nada justifica que policiais efetuem disparos de arma de fogo contra escolas, como os três projéteis de fuzil que atingiram a mataram a menina Maria Eduarda, dentro de uma escola municipal em Acari em março de 2017.

Durante o atual período de pandemia da Covid-19,quando os esforços policiais deveriam priorizar a vigilância sanitária, sua atribuição legal em convergência com outros agentes públicos para a defesa da vida, as operações policiais e as mortespor elas ocasionadas aumentaram no Rio de Janeiro, culminando nachacina de 15 de maio no Complexo do Alemão, com 12 mortes. Depois da liminar proferida pelo Ministro Edson Fachin no dia 5 de junho, o número de operações e, consequentemente, de mortes e feridos caiu de forma considerável. É, por isso, que a ADPF 635, ação que resulta da luta histórica dos movimentos de favelas e dos movimentos de familiares de vítimas e que conta também com apoio de ONGs, partidos políticos e órgãos estatais, vem em hora mais que oportuna. Somamo-nos, portanto, a esta mobilização pelo direito a vida das populações negras e residentes em favelas, solicitando aos demais ministros do Supremo Tribunal Federal que se sensibilizem e votem de forma favorável à ADPF 635.

Assinam:

Adriane Maia – Fiocruz
Alexandre Werneck, UFRJ.
Ana Paula Miranda – UFF
André Rodrigues – IEAR/UFF
Avelina Addor – Unirio
Bernardo Ferreira – UERJ
Caíque Azael Ferreira da Silva – PPGP/UFRJ
Carla Rodrigues – UFRJ
Carlos Henrique Serra – UFF
Carly Barboza Machado – Observatório Fluminense – da UFRRJ
Carolina Botelho – PUC-RIO/ENCE/IBGE
Carolina Grillo – UFF
Cecilia Minayo – Fiocruz
Cezar Honorato – UFF
Clara Polycarpo – IESP/UERJ
Clarice Peixoto- UERJ
Claudia Barcellos Rezende – UERJ
Cristiane Andrade – Fiocruz
Daniel Cerqueira – IPEA
Daniel Hirata – UFF
Daniel Misse – UFF
David Anthony Alves – UFF
David Maciel de Mello Neto (PPGSA/UFRJ)
Doriam Borges – LAV/UERJ
Edinilsa Ramos de Souza – ENSP/FIOCRUZ
Edson Miagusko – Observatório Fluminense – da UFRRJ
Fatima Cecchetto – FIOCRUZ
Fernando Rabossi – UFRJ
Flavia Braga Vieira – Observatório Fluminense – da UFRRJ
Francisco Carlos Teixeira – Cpda/UFRRJ
Frederico Policarpo ((PPGJS/UFF)
Hebe Signorini Gonçalves – UFRJ
Helena Bomeny – UERJ
Ignacio Cano – LAV/UERJ
Jacqueline Muniz – UFF
Joana Domingues Vargas – UFRJ
João Trajano Sento-Sé – UERJ
José Cláudio Souza Alves – UFRRJ
Juliana Martins – FBSP
Julita Lemgruber – CESEC
Kathie Njaine – ENSP/FIOCRUZ
Katia Sento Sé Mello – UFRJ
Klarissa Almeida Silva Platero – UFF
Lana Lage da Gama Lima – UFF
Leilah Landim – UFRJ
Lena Lavinas- Instituto de Economia da UFRJ
Lenin Pires – UFF
Leonarda Musumeci (CESeC)
Lia Rocha – UERJ
Luciane Patricio – UFF
Luís Roberto Cardoso de Oliveira – UNB
Luiz Antônio Machado da Silva (IESP/UERJ)
Luiz Eduardo Bento de Mello Soares – UERJ
Manuela L. Picq – Professora de Relações Internacionais, Amherst College
Marcelo Burgos – PUC/RJ
Marcia Leitão – UENF
Márcia Leite – UERJ, CEVIS, CIDADES
Marcia Maria Menendes Motta – UFF
Marco Antonio Perruso – Observatório Fluminense – da UFRRJ
Marco Aurélio Goncalves Ferreira – Ineac-UFF
Marcus Cardoso –UNIFAP
Maria das Graças de Oliveira Nascimento – MIR-Movimento Inter-religioso do Rio de Janeiro
Mayalu Mattos – Fiocruz
Michel Misse – UFRJ
Miriam Abramovay – FLACSO
Miriam Krenzinger (ESS/UFRJ)
Miriam Schenker- Claves/Fiocruz
Nalayne Pinto – Observatório Fluminense – da UFRRJ
Orlando Alves dos Santos Junior – Ippur/UFRJ
Pablo Nunes – CESEC/UCAM
Palloma Menezes – UFF
Patrícia Constantino -Claves/ENSP/Fiocruz
Paula Poncioni – UFRJ
Paulo Baía – UFRJ
Paulo D’Avila Filho – UERJ
Pedro Cláudio Cunca Bocayuva Cunha – UFRJ
Pedro Heitor Barros Geraldo – UFF
Pedro Paulo Bicalho – UFRJ
Raquel Willadino – Observatório de Favelas
Renata Neder – CESEC
Renato Sérgio Lima – FBSP
Ricardo Gaspar Müller – UFSC
Ricardo Resende Figueira – UFRJ
Roberto Kant de Lima – UFF
Rodrigo Andrade – UFF
Rogerio Dultra dos Santos – UFF
San Romanelli Assumpção – IESP-UERJ
Silvia Ramos – CESEC/UCAM
Simone G. Assis – Fiocruz
Sonia Fleury – Fiocruz
Thais Lemos Duarte – PPGS/UFMG

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