A estruturação do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Ceis) no Brasil poderá contribuir para reativar a economia, gerar empregos, fomentar investimentos em inovação, pesquisa e desenvolvimento, e assegurar condições para melhorar o atendimento da população. A proposta tem sido defendida pelo ex-ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que propõe o uso do poder de compra do Estado e da infraestrutura de C&T disponível no país para superar a dependência e as fragilidades do setor, alavancando, ainda, uma indústria 4.0 nacional.
“Dentro da campanha Lula/Alckmin há clareza da importância do Ceis como potencial modelo para sair da crise econômica, porque é uma área absolutamente estratégica para o futuro da nação”, afirma o ex-ministro. Ele calcula que, no Brasil, somados todos os gastos em saúde, públicos e privados, chega-se a cerca de 10% do PIB, ou R$ 800 bilhões em 2020. O total inclui tudo o que o governo federal destinou ao SUS, as despesas de estados e municípios, salários, equipamentos, segmento farmacêutico, gastos de manutenção e com insumos, alimentação, segurança, limpeza, empresas, laboratórios e o que mais girar em torno da cadeia produtiva da saúde.
Para organizar esse segmento em uma política industrial voltada à soberania e à geração de riqueza e inovação, a chave é o poder de compra do Estado, diz Temporão. Segundo ele, 35% da receita do setor vêm de compras públicas. O Estado responde por metade do mercado de equipamentos e também do reagentes para diagnósticos; e por 95% das vacinas consumidas no país. “Tem que usar esse poder, chamar o setor privado para fazer parcerias com laboratórios públicos, definir quais medicamentos são importantes para reduzir a dependência e fazer uma transferência tecnológica.
”Na cadeia estendida da saúde, são 12 milhões a 15 milhões de empregos diretos e indiretos, em geral de média e alta qualidade, em comparação com outras indústrias de transformação, abrangendo hospitais, centros de pesquisa, planos de saúde, área de gestão, sistemas de informação e engenharia clínica. Temporão observa, ainda, que o setor está na fronteira do conhecimento humano, com pesquisas em nanotecnologia, química fina, novos materiais, biotecnologia, telessaúde e Inteligência Artificial.
“No mundo, 30% de tudo que se gasta em pesquisa e inovação é na área de saúde, uma das mais importantes da quarta revolução industrial”, diz Temporão. “A saúde é fundamental para a melhoria das condições de vida da população brasileira, para viver mais e melhor, com menos dor e sofrimento, com políticas de proteção, acesso , atendimento de urgência, hospitalar, saúde da família, farmácia, agentes comunitários, etc. Mas tem outro lado da saúde, pouco pensado, que faz uma interface grande com outras áreas, com relação direta com economia e política industrial, e política de pesquisa, ciência e inovação – a dimensão econômica da saúde. Por que o Brasil não tem uma política específica para tratar essa dimensão, que pode fazer parte da solução da crise econômica e aumentar a arrecadação de impostos?”
Outro aspecto importante é a conquista de autonomia tecnológica e comercial em itens críticos, para o país não ficar vulnerável na saúde, como aconteceu no início da pandemia de Covid-19. “Em março de 2020, o Brasil ficou assustado com a chegada do novo vírus”, lembra Temporão. Naquele momento, ele destaca que não tínhamos respiradores, nem EPI (Equipamento de Proteção Industrial), item que também não fabricamos, nem testes, nem insumos para os medicamentos. Atualmente, importamos 90% dos insumos consumidos, uma taxa que já foi de 50% durante a gestão petista.
Dependência externa e balança comercial
“O diagnóstico é que há uma tremenda vulnerabilidade em relação às tecnologias que são fundamentais para garantir a saúde da população”, alerta Temporão. “Estão faltando vários remédios nas farmácias, com aumento da demanda e redução da oferta”. Entre os medicamentos que escasseiam ele cita, por exemplo, a amoxicilina, antibiótico de uso bastante difundido.Cerca de 90% dos princípios ativos utilizados em equipamentos como tomógrafos, para ressonância magnética, mamógrafos, testes para laboratórios, e muitos medicamentos, incluindo vacinas, são produzidos principalmente na Índia, China e América Norte, além de alguns países da União Europeia. A dependência externa se revela nos números da balança comercial do setor, negativa em US$ 13 bilhões em 2021.
Para o ex-ministro, o Brasil tem todas as condições estruturais de participar de forma competitiva desse jogo global. A começar pela maior base industrial da América latina no setor, a maior estrutura produtiva, o SUS, que atende 75% da população nas suas necessidades, uma agência reguladora de alta qualidade, na sua avaliação, a Anvisa, e vários centros de pesquisa importantes, que detêm a tecnologia de produção de testes clínicos, de elaboração de vacinas.“
Um dos eixos da minha gestão no Ministério foi a construção do complexo industrial da saúde e a redução da dependência de tecnologias estratégicas”, diz Temporão. Pelo seu projeto, ele deve escolher o que valem a pena produzir localmente para o sistema de saúde brasileiro, e formar parcerias entre a indústria nacional e laboratórios como Farmanguinhos, da Fiocruz, o Instituto Butantã, o Tecpar, do Paraná, e o Lafepe, de Pernambuco.Seria preciso, ainda, coordenação do Estado, horizonte de longo prazo – 30, 40 anos –, agentes de fomento, como BNDES e Finep, e o mercado público, o SUS, fortalecido. Mas o projeto, iniciado em 2007, foi desmontado pelo governo atual, que, contra a ciência e adversário da atuação do Estado, cortou verbas de pesquisa e já contabiliza uma perda de 50% de cientistas para o exterior .
“É necessário gastar no mínimo 2% do PIB”, estima o ex-ministro. “Por que a Coreia do Sul está lá na frente? Porque investiu pesadamente em ciência e pesquisa. Para enfrentar o problema da sustentabilidade da saúde brasileira, precisa-se fazer esse desenho liderado pelo Estado e investir em ciência e inovação. Isso tem a ver com modelo de desenvolvimento brasileiro. Estou juntando política de saúde, industrial, de ciência, tecnologia e inovação em uma estratégia única. A pandemia abriu uma possibilidade nova para essa ideia.”
> Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ)
> Confira o Soberania em Debate com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, entrevistado pela jornalista Beth Costa e pelo advogado e cientista político Jorge Folena, ambos da coordenação do SOS Brasil Soberano