Em homenagem à Marielle Franco, uma carta à Maré

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Partiu a maior guerreira da Comunidade. Ainda jovem e cheia de projetos que ajudassem a minimizar, senão, erradicar os graves problemas que atingem o lugar onde nasceu, se criou, se fez mulher e mãe de luta, fibra, vontade e rara coragem. Convivendo desde pequena com a injustiça social que descolore a nossa cidade, escolheu as melhores armas para travar o árduo combate: o estudo e a crença na possibilidade de mudar o que aqui está errado há tanto tempo.

Tornou-se socióloga, com mestrado, e defensora dos direitos humanos, entre os quais, todos os direitos das mulheres, da raça negra, dos adolescentes desamparados nas periferias. Quis mais. Para abrir novos caminhos se elegeu vereadora, a quinta mais votada na eleição de 2016, dando um banho em muitos veteranos da política. As propostas, o jeito firme de falar, o conhecimento das dores que assumia inspiravam confiança. E ainda defendia seus pontos de vista em bela moldura, trajando muitas roupas coloridas e alegres, remetendo ao estilo afro das origens, como as tiras nos cabelos. Tudo combinando com o sorrisão, característica marcante num rosto de traços lindos e fortes. Harmonioso contraste à seriedade de suas posições.

Tanta vida foi arrancada brutalmente pelos covardes que sempre denunciou. Os boçais – mandantes e executores – totalmente incapazes de enfrentá-la, pois desprezam argumentos, não portam sorriso ou carregam sonhos, nem experimentam a menor forma de amor aos semelhantes. Não vivem, apodrecem escorados nas armas letais. Mas matam, destroem, odeiam e tentam impor a desesperança.

A tarde-noite da última quinta-feira, dia do velório dela, no entanto, foi uma porrada nesses propósitos desprezíveis. Em vez de assustada, trancada em casa, temendo novos ataques cruéis e sempre covardes as pessoas foram para as ruas. No Rio, em outras cidades do Brasil, no mundo. E era uma multidão de mulheres, homens e jovens. Pretos, brancos, mulatos. Graduados ou não. Artistas e povão. E todos se abraçavam, choravam e cantavam, gritando o seu nome a cada instante.

Foi dolorosamente lindo! Ali estávamos unidos e embalados pela coragem daquela incrível mulher. Sofridos, tentando prometer que a sua luta vai prosseguir, que a sua morte não será em vão, que a sua memória há de ser nosso guia.

Aos jovens – especialmente os que, como ela, nasceram em espaços absurdamente desprezados pelo Estado – que a significativa trajetória de Marielle Franco seja um orgulho e rico adubo à formação. Não desistam. Mirem-se na sua garra, determinação e luta por um Rio de Janeiro, um país, mais fraterno. Consigam acreditar que, por mais que se desenhe irônico no momento turvo de sangue e lágrimas, as únicas armas capazes de vencer a desigualdade, a guerra que tanto machuca favelas e asfalto são exatamente as que ela portava: ideias justas e fé na mudança.

Marielle, da Maré, olhai por todos nós!

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