Em greve de fome há 22 dias, trabalhadora rural passa mal durante protesto contra o STF

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Zonália Ferreira, 48 anos, uma dos sete ativistas em greve de fome pelo julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) das ações que contestam a prisão já após julgamento em segunda instância, passou mal nesta terça-feira (21), durante manifestação de protesto em frente ao Conselho Nacional de Justiça, onde despachava a ministra Cármen Lúcia, presidenta do STF. Mãe de oito filhos, avó de sete netos, Zonália está há 22 dias sem alimento, desde 31 de julho.

Segundo o frei Sérgio Antônio Görgen, da Ordem dos Frades Menores (Franciscanos), também grevista de fome, a ação dos militantes dá à Justiça brasileira uma oportunidade de recuperar credibilidade. “Se vocês ainda têm um pouco de sensibilidade, se ainda resta algo de humano em vocês, se o sangue de vocês ainda não é totalmente frio, vocês ainda têm chance”, afirmou, sentado em cadeira de rodas, em discurso dirigido aos ministros do Supremo. “Vocês podem ser o Judas do povo brasileiro ou podem ser Pedro, que errou mas, depois que o galo cantou, se corrigiu. O galo está cantando para vocês. Não estamos pedindo nada de extraordinário, estamos pedindo que façam o que é dever de vocês, honrar a Constituição, a toga que vocês vestem e põem nas costas, o ofício que o povo brasileiro deu a vocês, de cuidar da Constituição e do povo.”

Uma das mais fragilizadas pela greve de fome, Zonália nasceu no Mato Grosso do Sul mas vive há cerca de 30 anos no assentamento Madre Cristina, no município de Ariquemes, em Rondônia. “Sou camponesa e filha de camponês nordestino”, contou ao site Brasil de Fato, no início deste mês. “Eu fui para Rondônia em 1987. Estou na luta junto ao MST desde os anos 90. Sempre fui camponesa. No Mato Grosso do Sul, os fazendeiros foram imprensando, até que meu pai teve que vender o restinho de terra que a gente tinha.”

No ato de hoje, com representantes de cerca de 300 movimentos populares, foi preciso mais de meia hora de espera por um ambulância do SAMU, em frente ao CNJ, para que Zonália fosse conduzida para cuidados adicionais no hospital Universitário de Brasília.

“Nenhum de nós é suicida, amamos a vida, gostamos de viver”, destacou frei Sérgio Antônio Görgen. “Estamos correndo risco porque milhões de pessoas hoje no Brasil podem ter o que a Zonália teve e não têm médico por perto; a saúde está sendo esfacelada. E vocês, 11 ministros [do STF], são responsáveis. Não pelo que acontece conosco mas pela ferida e pela dor que o povo brasileiro está sofrendo, porque foram coniventes com nossa Constituição rasgada, a justiça vilipendiada.”

Sangue quente

São mais de 20 mil pessoas presas que foram julgadas apenas na segunda instância, diz o frei. “Se forem inocentados”, questiona, "quem devolve os dias e meses de liberdade roubada?”

Ele também alertou os ministros para as consequências do descrédito popular na Justiça. “Ninguém de nós é conivente com a corrupção, com a bandidagem. Mas vocês estão sendo coniventes com a desgraça do nosso povo. E se o sangue de vocês é completamente frio para não sentir nada, o sangue do povo continuará quente e cobrará caro de vocês. Se os dois outros poderes [Executivo e Legislativo] estavam expostos em praça pública para o julgamento do povo, hoje, quem está sob júri popular são vocês, da Justiça, com vossos auxílios moradias. Só um auxílio moradia faz mais de uma dezena de bolsas-família, que estão sendo roubadas do povo brasileiro. A nossa greve de fome está dando uma chance para vocês.”

A decisão recente do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a favor da participação do ex-presidente Lula na campanha eleitoral, com direitos políticos assegurados, pode ainda estender a desmoralização do Judiciário brasileiro para além das fronteiras, ressaltou. “Se os poderes da República são uma vergonha nacional, agora, com o que a ONU disse, com base em um tratado aprovado pelo Estado brasileiro, não nos façam passar vergonha no mundo. Cumpram o papel de vocês — em nome de nós, que estamos oferecendo nosso corpo, em nome do povo brasileiro.”

Opção pelos que não têm

No perfil publicado pelo Brasil de Fato no primeiro dia de greve, Zonália explicou a decisão de ingressar neste ato de resistência democrática radical e de alto risco:

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“Foi uma opção minha vir para a greve de fome. Meus netos e filhos são assentados e têm a terra para produzir. Minha preocupação é pelos outros, que não têm. Não é filho e neto de sangue mas é filho do mesmo jeito: todos os brasileiros, né? Jovens, crianças. Isso também é minha família. É esse povo que estou defendendo nessa luta.”

Essa avó camponesa construiu uma história longa em defesa do interesse coletivo. Em julho de 1990 participou de sua primeira ocupação de terras improdutivas, e, embora tenha se tornado assentada em 1992, continua atuando e apoiando ocupações de trabalhadores que não têm terra, junto com o MST.

Ela vive no assentamento Madre Cristina, no município de Ariquemes (RO), considerado um dos mais violentos do país, em região historicamente marcada por conflitos fundiários, e que, desde o fim das obras da hidrelétrica de Santo Antônio e o acirramento da crise econômica e do desemprego, experimenta ainda maior violência social.

Entenda a greve de fome

Frei Sérgio Görgen, 62 anos, Rafaela Alves, 31, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) Luiz Gonzaga, o Gegê, da Central dos Movimentos Populares (CMP), 68, Jaime Amorim, 58, do MST e Via Campensina, Zonália Santos, 48, e Vilmar Pacífico, 60, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), estão em greve de fome, pedindo ao STF que paute a votação das várias ADCs que questionam a prisão após o julgamento em segunda instância, sem que estejam esgotados todos os recursos dos réus. A greve começou em 31 de julho, completando hoje (21) 22 dias. O jovem secundarista Leonardo Soares, de 22 anos, do Levante Popular da Juventude, aderiu seis dias depois do seu início.

O movimento, embora busque a liberdade de Lula, reivindica um direito geral, ou seja, o respeito à Constituição, que estabelece, em seu artigo 5º, a prisão apenas quando esgotados todos os recursos. Lula, portanto, deveria ser solto e ficar apto a participar das eleições. Os grevistas também protestam contra o desmonte de políticas públicas e a volta do Brasil ao “mapa da fome”. Estão alojados no Centro Cultural de Brasília, em camas hospitalares doadas, e se deslocando apenas em cadeiras de roda. Todos têm acompanhamento de profissionais da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares.

*Com informações do Brasil de Fato

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