Ato pela liberdade religiosa no Rio cobra ação do Estado contra ataques a terreiros

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A 10ª Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa reuniu cerca de 50 mil participantes, segundo os organizadores, neste domingo (17), em Copacabana. Vários líderes católicos, cristãos, budistas, judeus, espíritas, umbandistas e candomblecistas, entre outros presentes ao evento, criticaram a impunidade das agressões cometidas contra as religiões de matriz africana, em especial no estado do Rio de Janeiro, que tem provocado, na avaliação deles, o aumento no número de ataques, num movimento que historiadores já definem como “genocídio”.

O babalawô Ivanir dos Santos, que integra a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), criticou a omissão do Estado em todas as suas instâncias e Poderes: municipal, estadual e federal; Executivo, Legislativo e Judicário. Nas próximas semanas, ele deve voltar a se reunir com representantes do Ministério Público e da Justiça do Rio de Janeiro para cobrar providências urgentes que protejam os lugares sagrados do canbomblé e da umbanda que estão sendo perseguidos.

Este ano, só em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, foram sete terreiros atacados, em comparação a dois casos de agressão no município em 2016, de acordo com dados da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério dos Direitos Humanos, levando em conta as denúncias feitas pelo serviço “Disque 100”. No ano passado, ao todo, houve 759 denúncias de casos de intolerância religiosa, um aumento de 36,51% com relação a 2015.

Ivanir dos Santos observa que, desde a primeira Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, em 2008, o problema se agravou. “Se tivessem sido firmes, não seríamos vítimas de uma coisa tão odiosa, que pode ser comparada ao terrorismo.” Ele também acusou a o prefeito Marcelo Crivella (PRB), bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, de não ter respeitado os princípios da carta-compromisso do CCIR contra a intolerância religiosa e o racismo, assinada pelo então candidato no final do primeiro turno, em 2016.

"Ele usou a carta para ganhar eleição”, afirmou Ivanir dos Santos em discurso durante a 10ª Caminhada. “Não nos ajudou em nada. Ao contrário, seus atos são discriminatórios e racistas.” Sobre as acusações que apontam a participação de pastores de igrejas de matriz neopentecostal nos ataques, rejeitou a “generalização”, destacando que algumas instituições evangélicas apoiaram financeiramente e integraram a caminhada. Os envolvidos nos atos de violência, acedita o babalawô, “são os maus evangélicos, os maus cristãos”.

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Na época da primeira caminhada, templos na Ilha do Governador e na zona sul do Rio, no bairro do Catete, haviam sido atacados; cinco anos depois, Ivanir dos Santos lembra que, na zona norte, em Lins de Vansconcellos, as pessoas não podiam se vestir de branco – nem deixar roupas brancas penduradas no varal –, sob risco de serem agredidas por criminosos do bairro. “Fomos ao Ministério Público e ficamos aguardando respostas”, lembra.

Para ele, além de punir os responsáveis diretos pelas agressões – a violência recente ocorrida nos terreiros de Nova Iguaçu e de outras regiões – , é importante identificar e penalizar os seus mandantes. “O que nos interessa é saber quem está por trás desses atos. Eles [os agressores] aprenderam em algum lugar. Temos que chegar a quem fomenta o discurso de ódio e manipula essas pessoas. E o Estado tem suas estruturas de comunicação, os recursos para chegar neles. É uma decisão de Estado.”

O bispo Aquilini, mórmon da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, também condenou a impunidade com que os crimes contra locais sagrados de matriz africana têm sido tratados. “O poder público precisa fazer mais do que faz”, afirmou. “Divulgar seu repúdio; mostrar às pessoas que fazem isso, que a lei deve ser cumprida por todos.”

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O diretor do Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro, Adriano Almeida, observou que a mobilização em defesa das religiões é uma causa geral da liberdade de pensamento. “Todos têm direito a expressar seu pensamento religioso e todos que acreditam em algo maior têm que lutar pela liberdade do pensamento religioso”. Do alto do carro de som, a representante da Confederação Israelita do Brasil (Conib) no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), Patricia Tolmasquim, destacou a importância do respeito às religiões para a democracia. “Queremos um Estado democrático que respeite as religiões de todas as matrizes”, disse.

Audiência pública e campanha nas escolas

O deputado estadual Marcelo Freixo (Psol-RJ) diz que  vai propor a realização de uma audiência pública na Assembleia do Rio de Janeiro na próxima semana. Pretende, ainda, reunir-se com integrantes da Polícia Civil para pedir informações sobre a apuração dos ataques cometidos em Nova Iguaçu ou em demais regiões do Estado.

Para disseminar uma cultura de respeito entre as diferentes formas de fé, a vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) acredita que o slogan “contra a intolerância religiosa” já não é suficiente: “É preciso garantir recursos no orçamento municipal para uma campanha em defesa da ‘convivência’, a ser feita principalmente nos postos de saúde e nas escolas, os lugares onde as pessoas de fato convivem”.

O compositor Claudio Jorge, adepto do Candomblé, parceiro, por exemplo, em canções com Wilson das Neves e Aldir Blanc – com quem fez a belíssima “Lua sobre sangue”, em homenagem ao Salgueiro –, estava na caminhada. “A intolerância religiosa não é um problema apenas das religiões africanas, mas de toda a sociedade, até dos ateus”, alertou. “A escolha da religião é um dom sagrado. Se fosse resumir em uma palavra a caminhada, seria paz.”

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