Com o anúncio da candidatura Lula e a intensificação das movimentações para as eleições presidenciais de 2022, o advogado Vivaldo Barbosa, ex-deputado federal, constituinte e trabalhista histórico, acha importante desfazer algumas confusões propositais que têm ocorrido no debate político brasileiro. Em particular no que se refere à decisão do PDT de abandonar o trabalhismo para somar forças à direita; e ao termo populismo, usado com frequência para desqualificar projetos de base popular.
“O PDT, infelizmente, não é mais brizolista, não é mais trabalhista”, afirmou Vivaldo, durante o Soberania em Debate realizado na última sexta-feira (21), pelo SOS Brasil Soberano, movimento do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ). Da mesma forma, o advogado critica o ex-governador do Ceará, Ciro Gomes, escalado pelo conservadorismo para atacar as forças progressistas e populares no país.
“Ciro Gomes está desempenhando o papel de linha auxiliar da direita, como sempre”, criticou o advogado. Atualmente no PT, o ex-deputado lembra que Ciro nunca foi trabalhista, tendo passado pela Arena, apoiado o regime militar, e mesmo no movimento estudantil, atuado pela direita.
“Ele [Ciro] diz que participou do movimento estudantil, mas precisava dizer que era pela Arena”, diz Vivaldo. “E nunca se afastou disso. A trajetória dele se ligou ao grupo político do Tasso Jereissati no Ceará, um dos continuadores da política da Arena, do conservadorismo, das políticas das elites econômicas.”
A mesma inclinação reacionária o guiou ao PPS, depois ao PDT. “Agora vemos que o Ciro é parte desse projeto político de ataque à esquerda e ao setor popular”, afirma Vivaldo. “Muita gente questiona se é falta de uma mínima inteligência política fazer o ataque ao PT e ao Lula como faz. Mas ele está desempenhando um papel de linha auxiliar do conservadorismo.”
Nesse sentido, lembra do desempenho do PDT no Congresso, nos últimos anos, contribuindo para o desmonte do Estado e a retirada de direitos. “[O PDT] dá esse espetáculo triste, de setores da bancada votarem a favor da Reforma Trabalhista, no governo Temer; depois votarem para tirar direitos da Previdência, já com Bolsonaro; e, agora, votarem na privatização da Eletrobras. Hoje, um partido que tem integrantes que votam pela privatização da Eletrobras é inadmissível e inaceitável.”
O advogado lamenta que os dirigentes do partido aleguem não poderem excluir deputados porque perderiam recursos do fundo partidário. “A política brasileira gosta muito de dinheiro; alguns partidos gostam muito de dinheiro. O PDT, então, é essa infelicidade.” Vivaldo vê com amargura que se permita usar as estruturas e os recursos do partido para custear a rede de comunicação montada em torno do Ciro para atacar o Lula, a esquerda e os movimentos populares no Brasil. “Mas a política tem sua dinâmica e vamos superar todas essas infelicidades que se abateram sobre o Brasil”.
Na avaliação de Vivaldo, por mais que a mídia tenha jogado contra o lulismo, não conseguiu fazer com que os pronunciamentos de Ciro tenham eco na população, nem abalar a liderança de massa de Lula. Nesse sentido, o advogado trabalhista aponta a estratégia de desqualificar a expressão “populismo”, esvaziando seu sentido de projeto voltado aos anseios populares.
“O debate político brasileiro tem sofrido inserções que distorcem conceitos e realidades. A palavra populismo sempre foi usada para desqualificar quem faz uma política popular, preocupada com as pessoas. No século 19, nos EUA, era chamada de populista uma corrente que se preocupava com o povo, diferente dos democratas e republicanos, mais ligados às elites. Mas no Brasil adquiriu esse caráter negativo.”
O trabalhismo, contudo, taxado de populista, foi o primeiro movimento a tentar romper com “o colonialismo e a escravidão, duas heranças pesadas que marcam muito a política brasileira, as injustiças, a concentração da renda, todo o esforço do Estado para beneficiar os grupos econômicos nacionais e internacionais”, explica Vivaldo.
Segundo o ex-deputado, à agenda da legislação trabalhista e social, de reorganização do Estado nacional, de desenvolvimentismo e das reformas de base, de Getúlio Vargas e João Goulart, Brizola somou a pauta da educação, e Lula, da superação da miséria e da pobreza. “É aí que o conservadorismo procura taxar tudo de populismo, de coisa pequena, rasteira”, explica. “E lança sempre a célebre acusação de corrupção em cima de quem defende os interesses da nação e o povo brasileiro. O debate político é muito prejudicado por essas questões sem sentido. Precisamos vencer a pesada herança do colonialismo e da escravidão.”
Jacarezinho e as falhas da Justiça criminal
Secretário de Segurança no governo Leonel Brizola, Vivaldo Barbosa acompanhou de perto a formulação de uma política de segurança pública que, pela primeira vez, priorizava a cidadania. “Brizola proibiu que a polícia subisse o morro atirando e que abrisse portas a botinaço”, lembra o ex-deputado, referindo-se à prática persistente de a política invadir moradias nas comunidades, a pontapés e sem ordem judicial. “Brizola não tolerava essa atitude, especialmente sobre as populações pobres.”
O que o governador pedetista esperava, na época, é que a polícia investigasse e os criminosos fossem processados e presos na forma da lei. Os meios de comunicação, em especial a Rede Globo, contudo, reagiram intensamente à medida.
Estender às periferias o benefício das leis é um dos aspectos relevantes de um projeto de soberania popular, que não permita operação como a que deixou 29 mortos no Jacarezinho. “Uma coisa horrorosa”, afirmou o advogado. Para ele, os erros cometidos na operação só são possíveis devido a um “defeito” da Justiça criminal brasileira, da qual fazem parte as polícias, em particular a polícia judiciária.
“Os juízes são omissos, cruzam os braços, lavam as mãos; os promotores, que deveriam atuar de forma controladora, não o fazem”, diz. No caso do Jacarezinho, por exemplo, Vivaldo destaca que, embora a polícia tenha avisado o Ministério Público que realizaria a operação, nenhuma providência foi tomada para impedi-la. Da mesma forma, o governador foi informado, mas autorizou.
“O governador chancelou, e, com isso, tornou-se o grande responsável”, aponta Vivaldo. “Sabemos que o tráfico é uma coisa opressiva em cima das comunidades. Mas é preciso que as instituições funcionem – o MP, o Judiciário –, que metam a mão na massa, que se envolvam, para que possam cumprir seu papel. O que aconteceu no Jacarezinho é uma grande falha da justiça criminal brasileira. E acontece em muitos pontos do país.”
Para o ex-deputado federal, o primeiro erro da ação no Jacarezinho “foi a polícia chegar armada dentro de comunidade populosa, atirando, e fazer uma operação de prisão onde há grande quantidade de pessoas”. O advogado também considerou “estranho” a operação ter sido realizada pela Polícia Civil, que deveria estar atuando na área de inteligência e investigação.
“No Governo Brizola, demos uma nova denominação à Polícia Civil e a chamamos de Polícia Judiciária e dos Direitos Civis”, lembra Vivaldo. “Seu papel é de investigar, trabalhar junto ao promotor, ao Poder Judiciário, trabalhar nos inquéritos. Não é para chegar armada, aquela quantidade de gente e equipamentos, e fardada. A Polícia Civil é para chegar escondida nos lugares, para fazer as investigações e apurar quem é quem. Então isso viola toda a legislação, todo o bom senso e só pode causar a atrocidade que causou. Ninguém espera outra consequência.”
Para agravar o quadro, Vivaldo destaca que os responsáveis pela operação no Jacarezinho já esperavam o confronto, porque sabiam que havia grupos armados e organizados no território. “Aliás, a tônica da ação policial no Rio é essa: partir para o confronto e não para investigação. É um grave erro.”
> Clique para assistir o debate na íntegra, no canal do SOS Brasil Soberano no YouTube
> O Soberania em Debate é realizado pelo movimento SOS Brasil Soberano, do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ).